496 I SÉRIE - NÚMERO 14
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em sexto lugar, o Governo tornou-se responsável pelo agravamento da situação, em termos de investigação, ao esperar desnecessariamente pelo termo de um processo legislativo, por sua culpa demorado e acidentado, para vir anunciar algumas medidas, aliás limitadas e parcialmente requentadas, de reforço dos meios para o combate à corrupção. Tratou-se de um expediente de marketing, para ajudar a esquecer o tempo perdido, que trouxe mais descrédito a uma área da acção do Estado onde os valores deveriam ser outros.
E para esta imputação não ficar no ar, quero dizer que o reforço de meios e o edifício próprio que, há poucas semanas, foram propagandeados tinham sido, esse edifício e esses meios, formalmente anunciados, com as verbas necessárias já disponibilizadas, em 14 de Setembro de 1992. E para o Governo não poder dizer que a Assembleia da República ou outros órgãos são os responsáveis pelo atraso na elaboração desta legislação, devo dizer que o Governo falou nela em Setembro de 1992 e que a proposta de lei entrou na Assembleia, na sua forma final, em Maio de 1993, ou seja, quase um ano judicial depois do seu anúncio.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não tiveram pressa!
O Orador: - Não se diga que é a Assembleia quem tem esta responsabilidade! E depois do primeiro veto presidencial, o Governo levou seis meses a encontrar a fórmula susceptível de tornear, como torneou, a objecção de constitucional idade suscitada pelo Tribunal Constitucional. Estes são tempos que devem ir a débito do Governo e da sua capacidade de decisão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Estamos dispostos a contabilizar os tempos, quer os utilizados pela oposição quer o que levou a elaboração do diploma. Isto para dizer, formalmente, que não aceitamos a acusação de que é esta Câmara ou outros órgãos de soberania quem tem a responsabilidade no atraso.
E digo mais: aproveito para esclarecer que o Ministro da Justiça confessou, expressamente, que tinha esperado pela publicação da lei para haver o reforço de meios e para que a sua noção sobre a orientação deste problema ficasse clara perante as pessoas. Isto não é seriedade, porque os meios poderiam ter sido proporcionados antes e a contrapartida é que processos e processos não foram investigados durante este período. Quando tivermos acesso ao relatório da Procuradoria-Geral da República, poderemos ver, em concreto, qual o prejuízo causado a imensos processos que jazeram anos e anos, ou meses e meses, porventura à espera de uma legislação que não era necessária para esses processos serem despachados.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas olhe que, em matéria de atrasos, a oposição colabora bastante!
O Orador: - É sabido que a corrupção se desenvolve com a opacidade, a discricionariedade, o secretismo, a clandestinidade nos procedimentos públicos, a falta de transparência em torno das pessoas, dos actos, das organizações e dos mercados públicos, a ausência de controlos efectivos que desencorajem e reprimam o ilícito e o irregular.
Um programa sustentado de combate às ocasiões de corrupção, em desenvolvimento nas condições actuais, impunha que os responsáveis públicos promovessem ou apoiassem reformas tendentes a diminuir essas ocasiões. O Primeiro-Ministro, o Governo e a maioria tomaram uma atitude oposta: contrariaram e inviabilizaram uma solução de efectividade para a fiscalização das contas dos partidos políticos; promoveram soluções de laxismo em matéria de incompatibilidades, acumulações e garantias de isenção na vida pública; recusaram a criação de um registo público de interesses dos titulares de cargos políticos; recusaram o acesso do público às declarações de rendimentos, patrimónios e cargos, e ao conteúdo das declarações de IRS dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. E não bastando isso, restringiram o âmbito da obrigatoriedade de publicação de decisões públicas beneficiando particulares, originariamente proposto pelo PS; rejeitaram a sujeição da aplicação dos fundos estruturais comunitários a auditorias a cargo de entidades independentes seleccionados por concurso público; impediram o acesso dos cidadãos às declarações de património e rendimentos dos titulares de cargos políticos.
O Primeiro-Ministro e o Governo vêm discursando sobre o combate à corrupção mas, em relação às reformas institucionais que podem interceptar e controlar as condições do seu desenvolvimento, revelaram uma vontade oposta.
O reforço dos controlos independentes é um elemento fundamental para um combate de envergadura ao fenómeno da corrupção. A jurisdição financeira e a jurisdição administrativa são, neste domínio, cruciais, dado o papel que lhes cabe na detecção e sancionamento da ilegalidade pública e na responsabilização do Estado e dos titulares dos seus órgãos e agentes.
Ao recusar o reforço das competências e instrumentos à disposição do Tribunal de Contas e dos tribunais administrativos e fiscais, o Governo e a maioria constituíram-se responsáveis pelo desaproveitamento de frentes da maior importância para o combate à corrupção e aos desvios à isenção, à imparcialidade e à integridade na Administração Pública.
Na hora da internacionalização e da União Europeia, um combate eficaz à corrupção e à criminalidade económico-financeira pressupõe o acompanhamento de fenómenos que atravessam as fronteiras, o desenvolvimento da cooperação e o aproveitamento de experiências e conhecimentos, num domínio cuja importância não cessa de ser reconhecida nas sociedades actuais. Na acção do Governo, e em especial nas propostas trazidas a esta Assembleia, não encontramos traços que reflictam esta dimensão dos problemas e das políticas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, frente a este panorama, torna-se clara a urgência de levar ao Estado, neste domínio, um programa de outra inspiração, com outra amplitude e com outras condições de sustentação. E isso que é importante dizer neste debate de urgência.
Assim, é urgente, primeiro, completar rapidamente a actualização do programa criminal, nomeadamente dando entrada efectiva à criminalização do tráfico de influência no direito penal português, como preconizámos, e suprindo outras lacunas, desde logo em matéria de branqueamento de capitais.
Segundo, no quadro de uma urgente revisão do direito processual penal, é necessário expurgar os dispositivos processuais, a empregar no combate à corrupção, de injustificados elementos de excepção que deslegitinam e comprometem o necessário suporte comunitário da resposta penal.
Terceiro, é preciso alterar drasticamente o panorama dos meios de investigação disponíveis, actuando não apenas no domínio orçamental e no plano quantitativo como também instituindo um sistema de gestão e de acesso mais