18 DE NOVEMBRO DE 1994 497
eficaz, que permita, ao mesmo tempo que reforçar e qualificar a actuação policial, pôr termo à situação da dependência prática em que se têm encontrado as magistraturas e oferecer aos cidadãos maiores garantias de isenção, assim como prever e regulamentar o recurso a auditorias e outras peritagens (como já propusemos) a cargo de entidades privadas de reconhecida idoneidade, a qualificar e seleccionar por concurso público.
Quarto, é urgente adoptar soluções de salvaguarda da transparência em torno das pessoas dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, criando um registo público de interesses, consagrando a publicidade das declarações de patrimónios, rendimentos e cargos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, prevendo o acesso ao conteúdo das declarações de IRS desses titulares e reforçando o regime de incompatibilidades.
Quinto, é urgente consagrar medidas de transparência em torno dos actos e dos procedimentos públicos, instituindo a publicidade obrigatória dos actos das entidades públicas - da administração central, regional e local - que concedam benefícios, procedam a adjudicações ou licenciamentos, nomeadamente em matérias como loteamentos urbanos, empreendimentos turísticos, centros comerciais, imobiliário, e outros actos de sentido equivalente, instituindo um sistema de informação sobre tais actos, com suporte informático, que permita o acesso, em tempo real, ao seu conteúdo (como também já propusemos sob a forma de projecto-lei), por forma a viabilizar um efectivo controlo de legalidade e a promover a própria transparência ausente de alguns mercados públicos.
Sexto, adoptar medidas de transparência e de controle em relação a pagamentos privados, prevendo que, acima de determinado montante, tenham de ser efectuados por cheque ou por outro meio documentável.
Sétimo, tornar efectivo o controlo das contas dos partidos políticos, atribuindo essa função ao tribunal que reúne melhores requisitos para o efeito, o Tribunal de Contas, por forma a poder ser dada aos cidadãos uma garantia real de fiscalização.
Oitavo, reforçar os poderes e os meios da jurisdição financeira, nomeadamente estendendo a competência do Tribunal de Contas às empresas públicas e sociedades de capitais públicos e a outras organizações que ilustram hoje um processo de crescimento oculto do Estado, fora de qualquer controlo exercido em nome e no interesse dos contribuintes.
Nono, dinamizar e ampliar o papel da jurisdição administrativa no controlo e sancionamento da ilegalidade pública, designadamente conferindo a qualquer cidadão, que faça prova de qualidade de eleitor ou contribuinte, o direito de impugnar contenciosamente, com fundamento em ilegalidade, os actos de administração central, regional e local que procedam a adjudicações, concedam benefícios e licenciamentos, e outros de teor equivalente. No mesmo sentido, impõe-se o reforço (como também já propusemos) do direito de os cidadãos dirigirem petições, representações e queixas às assembleias municipais, que devem ser por estas necessariamente examinadas, valorizando uma nova instância de controle das decisões autárquicas.
Décimo, promover a deontologia na vida pública, designadamente através da fixação de regras e de apoios à criação de conselhos, e estimular a participação das instituições de sociedade civil- ordens, associações, escolas, universidades, igrejas -. num esforço de valorização dos recursos deontológicos que faz hoje falta na sociedade portuguesa e que e também um ambiente indispensável para o exilo das políticas públicas de combate à corrupção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Eis, em síntese, o que o PS propõe que se faça e eis também o que o PS se propõe fazer.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, para o CDS-PP, uma clarificação é necessário fazer, logo de entrada, quando falamos de corrupção: é que recusamos envolver tudo e todos no mesmo saco quando debatemos este tema!
Connosco, não vale a pena tentar misturar os empenhes, as habilidades, os jeitinhos, os pequenos aproveitamentos de influência ou posição, de que os portugueses são, injusta ou justamente, acusados de praticarem nos mais baixos graus da sua vida, com os crimes de corrupção que podem ocorrer quando estão envolvidos elevados montantes de dinheiro público, quando os interesses privados se confundem com o interesse público, quando se criam oportunidades para ganhos ilícitos de fortunas privadas à custa do dinheiro de todos nós.
Não deve, portanto, restar confusão a respeito do que, há anos a esta parte, queremos nomear e combater quando, continuadamente, insistimos na necessidade de uma luta sem tréguas à corrupção.
A sede onde podem ocorrer os actos de corrupção é, por natureza do fenómeno, o poder político. É aí que nasce, habita e se expande a oportunidade e a tentação, é aí que está o controlo dos enormes meios financeiros que a comunidade reúne, é aí que a administração decorre, longe do escrutínio e atenção do cidadão comum, é aí que as ocasiões podem conduzir à tentativa dos grandes negócios ilícitos.
Se a grande parte da corrupção começa e acaba no poder político, a primeira cautela no combate a esse flagelo tem de ser, naturalmente, a de confiar a sua direcção a entidades exteriores a esse mesmo poder e dele independentes. Parece-nos este um princípio basilar. E aqui está, desde logo, a primeira e principal diferença que nos afasta deste Governo, nesta matéria!
O Sr. Ministro da Justiça anunciou um pacote de medidas de que resulta a atribuição a si mesmo da condução do combate à corrupção, ainda que pela via indirecta da chamada «coordenação de meios». O Ministro da Justiça é um categorizado membro do Governo, sê-lo-á em qualquer governo, de qualquer partido e nas mais diversas conjunturas políticas, e é óbvio que não será nunca a pessoa que ocupar o cargo que estará em causa. Simplesmente, a nossa opinião sobre a direcção de um combate, cujo alvo potencial reside, em grande parte, nas instâncias governamentais, é, claramente, a de que ela deve ser entregue à magistratura e não a um governante, e sem medo da concentração de competências.
A propósito das medidas anunciadas pelo Sr. Ministro da Justiça, ressaltam outras duas grandes diferenças com as nossas posições, sendo a primeira sobre a potencial utilização dos agentes infiltrados. Esta figura, que o Sr. Ministro foi buscar a Itália, deixando lá tudo o resto, sobretudo a condução pelos juizes independentes da luta contra os políticos corruptos, arrisca-se a transformar-se numa ameaça sobre a sociedade, se, porventura, não forem clarificados e esclarecidos os objectivos e os limites da sua actividade.