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24 DE FEVEREIRO DE 1995 1571

É uma decisão importante, ainda e também, porque estamos perante uma questão civilizacional, um modelo obsoleto de desenvolvimento da sociedade, incapaz de garantir a solidariedade entre gerações.
É, pois, uma questão que depende, hoje, já não tanto da capacidade de diagnosticar situações mas da vontade política de as interpretar, agindo.
É sobretudo disso que se trata, Srs. Deputados, neste Ano Europeu da Conservação da Natureza, e não de definir programas para celebrar rituais, de umas quantas exposições, de seminários, a juntar inutilmente a tantos outros, de exercícios chatérrimos de geometria abstracta e de repetições, pela enésima vez, de lugares comuns que todos já ouvimos. Trata-se, isso sim, de saber o que fazer para dar conteúdo a uma celebração que só valerá a pena se feita de medidas concretas para a realidade concreta do País que somos e para uma celebração que o próprio Conselho da Europa reconhece partir da constatação da pequenez do que nestes 25 anos foi feito e da compreensão - indo, aliás, ao encontro do que o Partido Ecologista «Os Verdes» defende - de que é preciso uma concepção mais alargada, mais integrada e mais global daquilo que a conservação da natureza deve ser.
Essa concepção resulta da própria avaliação critica de conceitos ultrapassados de conservação da natureza, dos que a julgaram poder circunscrever de forma estanque à criação de parques ou áreas protegidas, fazendo delas «ilhas-refúgio», onde o belo era permitido, mas com esquecimento absoluto por o que as rodeava, permitindo que à sua volta tudo nelas se destruísse.
É precisamente neste entendimento que, para nós, a questão da defesa da biodiversidade e da conservação dos recursos naturais se coloca hoje, aqui e agora, em Portugal. Isto é, coloca-se na realidade concreta de um País onde, apesar de prevista numa lei de bases aprovada por unanimidade neste Parlamento, se continua desde já à espera de que aqui seja apresentada, pelo PSD, para aprovação, uma estratégia nacional para a conservação da natureza, a qual, integrada na estratégia europeia e mundial, era suposto ser um instrumento fundamental da política de ambiente e do ordenamento do território.
A conservação da natureza, para Portugal, é uma área em que, mesmo no patamar primeiro das tais «ilhas-refúgio», se encontra mais depressa como regra a degradação, os atentados e o desleixo do que o equilíbrio, a preservação, o diálogo e a participação das comunidades locais.
A maior parte das áreas protegidas, num país como este, não passou do papel, por estarem carentes de meios humanos, técnicos e financeiros que lhes dêem conteúdo. Estas áreas não têm quaisquer meios de vigilância, são autênticas mantas de retalhos, onde se sobrepõem competências, ou melhor, incompetências, múltiplas, agredidas por projectos viabilizados por duvidosos estudos de impacte ambiental e por vazadouros de lixos, que ninguém controla. Nas 31 áreas protegidas existentes, há apenas 4 com planos de ordenamento elaborados e aprovados e 286 biótipos Corine identificados, dos quais só 24 coincidem com áreas protegidas já criadas, estando os restantes sem qualquer estatuto de protecção - o mesmo é dizer «ao Deus dará» -, não se tendo o Governo tão-pouco dado ao trabalho de proceder à sua classificação, escondendo-os da opinião pública, que deveria entender como sua aliada na defesa deste património.
A realidade das áreas protegidas, que o simples enunciado de alguns exemplos não permite desmentir, é a seguinte: na Arrábida, existem as pedreiras; na ria Formosa, os esgotos e a extracção de areias; no Montesinho, o risco para espécies protegidas; no litoral de Esposende, as negociatas turísticas; na Área de Paisagem Protegida de Sintra/Cascais, entretanto transformada em parque nacional a pretexto de melhor protecção, a especulação imobiliária; nas serras de Aire e Candeeiros, as vias rápidas; na serra da Estrela, as lixeiras; no estuário do Tejo, a construção da nova ponte.
Tudo isto acontece num país onde - é bom não esquecer - 90 % da actividade turística continua a concentrar-se no litoral, 30 % do território corre o risco de erosão e desertificação e onde estão em risco 100 espécies vegetais e 170 espécies animais, sobretudo aves.
Falar da salvaguarda das espécies, dos ecossistemas e processos naturais, de um meio ambiente não poluído e de um desenvolvimento sustentável é falar também da forma como as tais «ilhas-refúgio» deveriam estar ligadas, permitindo, de modo continuado, a comunicação entre si, com um ordenamento harmonioso do espaço físico e corredores de ligação, o que, manifestamente, não acontece num país onde o ordenamento do território continua por fazer e onde a chamada Reserva Ecológica Nacional, que deveria ser esse corredor de ligação e o mecanismo de protecção das próprias áreas protegidas, muitas vezes, não passa de uma mera reserva ecológica esquecida.
Falar da conservação da natureza é também falar da total ausência de coordenação dos vários Ministérios, sejam eles os da Agricultura, do Mar, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, da Indústria e Energia, da Educação ou de qualquer outro.
Falar de tudo isto é lembrar: a total inoperância do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que assiste, impávido e sereno, à delapidação dos recursos que, da Junta Autónoma das Estradas às administrações dos portos, um pouco por todo o lado, se vai fazendo, amputando irremediavelmente a paisagem; a necessidade de suster o desmantelamento da agricultura tradicional, que tem provocado o êxodo rural e está a contribuir para a acelerada destruição da diversidade cultural e de importantes habitat; que urge travar a plantação de monoculturas - leia-se eucaliptos - em zonas ocupadas por ecossistemas de grande interesse, que conduzem ao empobrecimento dos solos, à erosão e à perda da diversidade biológica; que importa revogar a Lei da Caça, que mais tem sido de extermínio de espécies em coutadas, frequentemente localizadas em zonas de elevada sensibilidade ecológica; que é tempo de os estudos de impacte ambiental deixarem de ser meras formalidades protocolares.
Ora, não haverá conservação da natureza nem áreas protegidas se se teimar no autoritarismo, na ausência de diálogo e de envolvimento das comunidades locais onde elas existam e se não se criarem apoios específicos às populações, que, condicionadas na sua vida quotidiana, têm de encontrar compensações e alternativas de desenvolvimento locais, baseadas na mais-valia ambiental e cultural, por forma a favorecerem a sua permanência e fixação.
Mas falar da conservação da natureza é também falar nos deveres, direitos e responsabilidades dos cidadãos na criação de mecanismos efectivos que permitam a sua intervenção aos mais diversos níveis e na educação ambiental, a qual, embora sendo um vector essencial dessa participação e, em consequência, da defesa do meio ambiente, continua teimosamente a ser posta de lado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se poderia dizer e propor, seguramente, neste Ano Europeu da Conservação da Natureza, neste país onde, na natureza, só nada se perde