25 DE FEVEREIRO DE 1995 1609
Essa deve ser uma correcção de fiando, não de cosmética ou de retoque, e é fundamental para garantir a clarificação, a homogeneização e coerentização do quadro legal policial vigente em Portugal. E chamo-lhe «manta de retalhos por razões inteiramente óbvias: é que as peças dessa legislação sucedem-se umas às outras, sobrepõem-se umas às outras e exigem um «contorcionismo» hermenêutico para se chegar a soluções que não sejam, pura e simplesmente, absurdas.
Não há nenhuma razão para que essa situação se prolongue indefinidamente. Acresce que a sua aplicação é também objecto de divergências, de conflitos interpretativos e de abusos e prepotências que são, eles próprios, factores adicionais de instabilidade e confusão.
Em concreto, as acções disciplinares dirigidas contra o exercício de direitos normais de representantes dos membros das forças policiais, são, em si mesmas, um atentado contra a eficácia, a coesão, o brio e a capacidade de ataque à criminalidade por parte das forças policiais, em geral, e da PSP, em concreto, e são um factor retrógrado perturbador do bom e normal funcionamento da Polícia de Segurança Pública. Mas isso não é culpa da lei, é culpa dos seus aplicadores, é culpa daqueles que o Sr. Secretário de Estado, hoje, aqui representa.
Para além dessa «manta de retalhos», há também problemas decorrentes da articulação entre a PSP, e as outras forças de segurança. Trata-se de uma questão, hoje em dia, crucial, em virtude da articulação com forças de exterior e com forças nacionais.
O combate a segmentos da criminalidade como aqueles que estão envolvidos naquilo a que chamamos criminalidade altamente organizada, que utiliza meios sofisticadíssimos, bem como a criminalidade ligada, em especial, a droga, que é brutal e eficaz na sua metodologia, na sua, acção e nos seus pontos de implantação, exigem um novo esquema de articulação entre as forças de segurança.
Todos os esforços feitos pelo Governo nesta matéria, tardiamente, às arrecuas, por pressão dos factos e, gabemo-nos desse esforço, de partidos da oposição - nós incluídos -, com insistência, são insuficientes e não culminaram, até agora, em nenhuma acção decisivamente eficaz, para, em relação a locais conhecidos e cruciais de tráfico de droga, conseguirmos resultados sensíveis, positivos, moralizadores e mobilizadores, ou seja, que inspirem confiança aos cidadãos e combatam o medo e a intranquilidade que, hoje, alastra nas zonas suburbanas.
Outra questão perturbadora é a da desarticulação entre as forças de segurança e os serviços de justiça. Aí, os resultados conseguidos - desoneração da PSP; fim da PSP burocrática, fim da PSP «manga de alpaca», corropiante para tribunal, perdendo tempo, gastando tempo e fazendo aquilo que, no fundo, é tarefa de um serviço de cobranças privadas, que deveria ser munido, financiado e organizado privadamente, quiçá, e não suportado pelos cofres da PSP -, essa perda de tempo, de lastro, esse desentendimento entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Ministro da Administração Interna, os actuais, os que ainda aí estão, tem feito com que a PSP perca capital de ataque, de impacto e de eficácia, como todos reconhecem, mas que o Governo procura, tardiamente, disfarçar com cosmética.
Esta Lei Orgânica vem, assim, inserir-se no quadro que descrevi não como um factor positivo e cortador mas como um factor de nova controvérsia, como o prova este próprio debate e as respostas do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna às questões que lho são colocadas.
Por um lado, porque confirma opções retrógradas, insiste em conceitos militaristas, não civilizadores, não civilistas, se se quiser, que deveriam ser substituídos.
Em segundo lugar, porque abre, em vez de supurar e tratar, conflitos com os próprios profissionais da PSP.
Em terceiro lugar, porque gera instabilidade e desconfiança onde deveria existir um pacto de segurança e de confiança, uma nova visão entre os membros das forças policiais e aqueles que os comandam, dirigem e são responsáveis pela estratégia da PSP.
Não vale de nada dizer, como aqui foi dito, que a metodologia foi impecável, porque não foi, Srs. Deputados. Tenho um registo, praticamente ponto a ponto, do qual não tenho nenhuma razão para duvidar e que pode ser distribuído a todos os Srs. Deputados, feito pela Associação Sócio-profissional da PSP - a ASPP -, onde se descrevem minuciosamente os passos negociais que aqui foram sumarizados, de forma atrabiliária, pelo Sr. Secretário de Estado. E o que resultou desse processo satisfaz manifestamente uma parte - o Governo -, mas não satisfaz a outra e gera factores adicionais de desconfiança e intranquilidade.
Não vale de nada dizer que os senhores aprovaram tudo, salvo duas coisas, porque é possível provar o contrário. E não vale de nada, sobretudo quando estão à vista os factores que não mereceram a concordância do Governo.
Por um lado, este texto, sendo filho de quem é, vaza os conceitos do seu pai, da sua mãe ou de quem quer que seja, isto é, a reforma das polícias, a concepção concentracionária, aquela que está a levar intranquilidade, desorganização e inquietação a vastas zonas do País, aquela contra a qual as populações protestam, exigindo proximidade das polícias, conhecimento, familiaridade, actividade, mais patrulhas, mais capacidade e proximidade, mais e melhores condições de trabalho.
Há um consenso, hoje nacional, na informação, e devemos isso ao Governo, infelizmente, contra esta reforma. Mas a reforma, tal qual foi feita, quis o Governo que custasse a cabeça da direcção logística e estratégica representante dos membros das forças policiais. Pagaram ou querem que paguem esse preço e é preciso que isso não seja esquecido hoje e aqui!
O Governo pune quem o critica, não admite a crítica e, no entanto, todos os dias, as populações criticam aquilo que, antes de acontecer, pessoas houve em Portugal que tiveram a coragem de dizer que ía acontecer, perante o protesto, a indiferença ou o vezo disciplinar opressivo do Governo e daqueles que acreditam ou fingem acreditar nas virtualidades da reforma. Esta Lei Orgânica é, pois, filha dessa visão desgraçada que é preciso corrigir.
Em segundo lugar, esta Lei Orgânica introduz novos conceitos, como o de enquadramento, que não são novos, são velhos e, de resto, militaristas, cuja prática concreta tem dado os resultados que vimos na Marinha Grande e noutros locais. Ou seja, em vez de acarretar mais confiança, semeia mais intranquilidade.
Em terceiro lugar, este diploma está cheio de coisas inúteis, faltando-lhe o essencial. Tal é o caso das regras sobre meios coercivos. Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, os senhores queriam revogar a lei geral e a Constituição, enxundiando esta Lei Orgânica com as normas que tem sobre o uso de meios coercivos?! Não revogam! A norma não pode substituir-se à Constituição e, portanto, está mal redigida, é inútil e confusionista.
Em relação ao processo de significação, queriam revogar a lei especial sobre esta matéria?! Seguramente que não. Portanto, a norma é inútil, confusionista e é unicamente factor de perplexidade.
Por outro lado, o texto está cheio de factores mesquinhos, como, por exemplo, o regime de eleições, que desva-