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2148 I SÉRIE -NÚMERO 65

Sr. Deputado Almeida Santos e nasceu de duas reflexões: uma, de natureza prática, outra, de natureza teórica.
Em primeiro lugar, a propósito da reflexão de natureza prática, devo dizer que, desde o século passado, temos no Direito Administrativo português uma figura de acção popular utilizável para interpor recurso contencioso das decisões das autarquias mas não temos uma solução semelhante para a Administração Central e Regional. Muitos dos que têm recorrido à figura da acção popular (e alguns são) e muitos dos que, profissionalmente, têm patrocinado actores populares (e alguns são) sabem da profunda iniquidade que se experimenta quando, para uma determinada situação, se ocorrida no âmbito da Administração Local, é possível lançar mão desta figura e, em paralelo, quando a mesmíssima situação existe no âmbito da Administração Central, essa via se encontra excluída. Existe aqui uma inibição resultante do actual sistema legal que é extremamente negativa e inaceitável.
Em segundo lugar, a reflexão de natureza menos prática tem a ver com alguns autores, querendo eu citar em particular a figura de Norberto Bobbio e uma das suas obras sobre o futuro da democracia em que se debruça sobre o declínio da justiça administrativa na actual fase do desenvolvimento do fenómeno estatal, chamando a atenção para que a limitação da capacidade para recorrer dos titulares de interesse directo, interesse pessoal e interesse legítimo tem como pressuposto a ideia de que a maior parte dos actos do Estado prejudicam o particular e que, portanto, os que são prejudicados e que são aqueles que tipicamente, embora não os únicos, são titulares de interesses com essas características, serão suficientes para questionar e promover, no plano da justiça administrativa, o controlo da legalidade dos actos do Estado.
Mas, enfatiza Bobbio, o que se passa hoje é que uma grande maioria dos actos praticados pelo Estado beneficia particulares em relação aos quais importa valorizar o papel da justiça administrativa e, se dermos a possibilidade de recorrer à figura do recurso contencioso apenas ao titular de um interesse com essas características - e muito haveria a dizer sobre o recorte dessas características -, então, a função de controlo da legalidade não é cabalmente exercida e a massa principal dos actos do Estado, relativamente à qual existiu o maior interesse em promover a legalidade, ficará fora da justiça administrativa, como, aliás, bem sabe que acontece quem tem alguma visão prática da distribuição das matérias no contencioso administrativo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, nas próprias decisões que ocorrem no âmbito de procedimentos contratuais verifica-se muitas vezes que os vários interessados e os vários lesados não usam a figura do recurso contencioso na base de determinados acordos que lhes asseguram a compensação em futuros actos de natureza análoga. Esse tipo de conluios, de combinações, faz com que, em muitos actos em que há lesados por virtude de ilegalidades praticadas naquele acto concreto, também não haja recurso. Portanto, é preciso furar este círculo que resulta de uma análise prática dos problemas submetidos a contencioso e de uma reflexão teórica tão importante e interpelativa como é a de Bobbio. Repito que é importante furar este círculo e honrar as tradições do direito administrativo português, que vem do século passado e não apenas do Professor Marcelo Caetano, como subliminarmente parece ter sido sugerido. É preciso honrar essas tradições e, nas condições do Estado actual, é preciso conferir um novo papel a esta figura na promoção da legalidade
Na verdade, sabe-se hoje que os custos são elevadíssimos, nomeadamente os custos externos da ilegalidade no Estado actual, e é preciso potenciar os instrumentos para combatê-la. A vulnerabilidade dos actos públicos à ilegalidade é diferente: hoje em dia, há estudos, a nível da Europa, sobre esses níveis de vulnerabilidade à ilegalidade e à corrupção dos vários actos. Assim, foi com base nessa reflexão que nos decidimos a enumerar alguns tipos de actos - não serão os únicos e a sua enumeração deverá mesmo ser discutida - que são apresentados naqueles estudos como sendo os mais vulneráveis à ilegalidade e por isso os autonomizámos. Fizemos o mesmo relativamente àqueles actos que, tipicamente, correspondem à atribuição de benefícios a particulares, isto é, aqueles em relação aos quais Bobbio sublinha a insuficiência do actual recorte dos pressupostos do recurso à justiça administrativa para efeitos de recurso contencioso.
Os nosso propósitos são, portanto, os de alargar este direito a um conjunto de actos das administrações central e regional, envolvendo adjudicação de empreitadas, fornecimentos de bens e serviços, concessão de exclusivos, obras e serviços públicos, concessão a entidades privadas, individuais ou colectivas, de subsídios, subvenções, ajudas, incentivos, donativos, bonificações, isenções, benefícios fiscais, perdões, dilações de dívidas, indemnizações não decididas judicialmente, actos de aprovação de doação de bens, actos que concedam autorizações ou licenças ou que as modifiquem.
Tratou-se, portanto, de permitir a intervenção de qualquer cidadão, eleitor ou contribuinte, nestes casos - e aqui quisemos utilizar as expressões tradicionais da legislação portuguesa e honrar em especial a figura do cidadão e a figura do contribuinte, lesada por muitos destes actos que passam sem controlo na justiça administrativa- e de fugir a alguma tecnicidade, porventura professoralmente mais avaliada mas que não designaria "o boi pelo seu próprio nome".
Quisemos, assim, dar um novo contributo a uma política de promoção da legalidade, que é uma esfera importante da actuação do Estado actual - evidentemente, acrescenta-se este contributo à nossa proposta geral sobre esta matéria. Não nos referimos às políticas clássicas e direitistas de promoção da lei e da ordem, mas queremos dizer que a política da promoção da legalidade no Estado actual é decisiva e deve também ser levada à justiça administrativa e à temática do contencioso administrativo.
Tendo regressado de uma viagem, só hoje tomei conhecimento do douto relatório sobre esta matéria elaborado pelo Sr. Deputado Rui Machete, envolvendo algumas críticas ao nosso próprio projecto de lei. Embora prejudicado pelo conhecimento de apenas há momentos, não quero deixar de tecer um breve comentário às considerações produzidas no referido relatório, aliás aprovado em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, embora não com o nosso voto favorável.
Em primeiro lugar - e penso ser este o seu argumento central -, alega-se naquele relatório que a nossa