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2152 I SÉRIE - NÚMERO 65

discutidos em matéria de defesa de interesses difusos, pois, como se recordarão, o Partido Social Democrata aprovou os diplomas, na generalidade, e viabilizou a sua passagem à discussão na especialidade.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parafraseando uma frase conhecida, apetece-me iniciar a minha participação neste debate, mais uma vez na generalidade, sobre matéria de acção popular, recordando que já está tudo dito e escrito acerca da aprovação de uma lei sobre a acção popular. Só falta aprová-la.
A Assembleia da República é, de facto, fortemente reincidente em debates na generalidade sobre esta matéria. Desde a I Legislatura que eles se sucedem, e estamos quase a concluir a VI.
Para referir só os últimos anos- porque poderia referir-me a todas as tentativas para a consagração legal do direito de acção popular desde que, na I Legislatura, o PCP apresentou o projecto de lei n.º 146/1 -, mas, repito, só nos últimos anos, desde 1990, devo dizer que é este o terceiro debate na generalidade sobre a matéria da acção popular.
Todos os debates tiveram como tónicas dominantes, sem excepção, a reafirmação generalizada do reconhecimento da importância da consagração legal das formas de exercício do direito de acção popular e a reafirmação das vontades políticas de levar por diante essa consagração. No entanto, até à data, os progressos têm ficado por aí.
Estes precedentes têm gerado algum descrédito, dentro e fora da Assembleia da República, quanto ao real empenhamento da maioria na conclusão de um processo legislativo de inegável alcance para a defesa dos direitos dos cidadãos e, sobretudo, direitos que denotam um défice gigantesco de protecção.
Não há muito tempo, participei num colóquio sobre a «Acção Popular», promovido pelo Centro de Estudos Judiciários, no âmbito de um seminário sobre direito ambiental, onde dei conta do meu cepticismo quanto à possibilidade de conclusão deste processo legislativo na presente legislatura. Espero agora poder ter a satisfação de me ter enganado!
O projecto de lei apresentado pelo Deputado Rui Machete e o seu agendamento para hoje é, inegavelmente, um bom sinal nesse sentido.
Adianto, desde já, que consideramos este projecto de lei como um contributo positivo. Esperamos que o PSD o aprove na generalidade e se empenhe na especialidade, para que, no tempo que nos resta, se possa concluir, com proveito, este processo legislativo.
Poder-se-ia, então, dizer que, de entre tantas malfeitorias que ficarão a marcar esta VI Legislatura, alguma coisa positiva se salvaria. Não se salvaria a Legislatura, que essa já não tem remédio, mas seria um pequeno lucro, embora importante, no quadro de uma imensa perda para o País. A ver vamos!
De qualquer forma, este agendamento faz renascer das cinzas o processo legislativo da acção popular. Há uma legítima expectativa que renasce e que terá dois meses para se concretizar ou para se gorar. Pode ser que venha aí, finalmente, a acção popular, há muito esperada.
Pela nossa parte, não temos qualquer dúvida em saudar esta iniciativa e em reafirmar o nosso empenhamento na conclusão deste processo, com a consciência de que não estamos perante um dilema de pegar ou largar. A questão é muito mais complexa e trabalhosa do que isso. Mas temos a consciência de que a necessidade da acção popular se mete cada vez mais pelos olhos adentro e começa a ser cada vez mais inaceitável para o País a persistência da verdadeira inconstitucionalidade por omissão, que é a inexistência de uma lei sobre a acção popular. Esta inexistência reflecte, aliás, uma perigosa inadaptação da ordem jurídica portuguesa, face à evidente necessidade de tutela de direitos legítimos dos cidadãos.
Não subsiste qualquer dúvida de que a regulação legal do direito constitucional de acção popular permitirá um enorme salto em frente na participação democrática dos cidadãos, na renovação da prática da Administração e dos tribunais e na defesa de direitos fundamentais constitucional mente consagrados. E, sendo algo de inovador, não será propriamente um salto no eseuro. A concretização legislativa do princípio subjacente à acção popular ou à tutela de interesses difusos, para além de ser uma obrigação constitucional, tem já algum caminho trilhado e um património de reflexão, que vêm de longe.
Já o Código Administrativo de 1878 previa uma forma de acção popular, supletiva embora, em caso de inércia das autarquias face à lesão de interesses colectivos. Também o Código Administrativo de 1940 prevê formas acanhadas de acção popular, de forma supletiva, em que um popular se pode substituir à autarquia para fazer valer os interesses desta, e correctiva, quando admite o recurso popular das deliberações dos corpos administrativos de âmbito local pelos aí recenseados.
A inércia legislativa, após a consagração do direito de acção popular na Constituição de 1976, fez com que, na falta de um regime geral do exercício desse direito, fossem proliferando na legislação ordinária algumas das suas expressões específicas, particularmente em domínios em que a sua necessidade mais se tem feito sentir.
Foi, assim, reconhecido o direito de acção às associações de defesa do consumidor, como representantes dos consumidores em geral; foi conferida legitimidade às associações de defesa do ambiente para a propositura de acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação ambiental; foi conferida a essas mesmas associações a legitimidade para recorrer contenciosamente dos actos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente e para se constituirem assistentes nos processos por crimes contra o ambiente e o equilíbrio ecológico e foi também conferido a qualquer cidadão, bem como a qualquer associação de defesa do património legalmente constituída, o direito de acção popular em defesa do património cultural.
Claro está que esta proliferação de expressões, próximas do direito de acção popular, não diminuem, antes reforçam, a necessidade de uma lei geral sobre o exercício deste direito.