O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE ABRIL DE 1995 2153

Não é este o momento mais adequado para dirimir ou debater com profundidade muitas questões que terão de ser cuidadosamente analisadas na especialidade; no entanto, penso ser importante registar neste debate algumas notas sobre o entendimento que temos acerca do alcance da consagração do direito de acção popular, que é feita no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição, na redacção resultante da sua revisão em 1989.
A primeira nota diz respeito ao alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, em sede de acção popular. Trata-se, efectivamente, de um direito que pode ser exercido por todos os cidadãos. E sublinho «todos», porque é precisamente essa a formulação constitucional e para exprimir a nossa demarcação de posições doutrinárias que perfilham uma leitura redutora da legitimidade processual activa a conferir pela acção popular, fazendo-a depender de alguma conexão, ainda que não necessariamente directa e pessoal, com os interesses em causa.
Em nosso entender, ou o direito de acção popular é conferido a todos os cidadãos, sem dependência de qualquer interesse ou conexão com os interesses em causa, ou será posto em causa o real alcance que o direito de acção popular pode ter, regressando por vias indirectas a reserva de legitimidade a quem tenha um interesse pessoal e directo.
Da leitura do projecto de lei apresentado pelo Deputado Rui Macheie, creio que a concepção que mele prevalece, no tocante à atribuição de legitimidade processual activa a pessoas singulares, é a de a atribuir a todos os cidadãos, sem reservas. Coloco esta questão, porque a leitura do artigo 3." do projecto pode levar a equívocos e porque são conhecidas posições restritivas sobre esta matéria.
É que se, por hipótese, perante a perspectiva de* um atentado ao património cultural - permita-se-me a referência, por exemplo, às jazidas fósseis de Carenque ou às gravuras rupestres do rio Côa -, apenas fosse conferida legitimidade para intervir processualmente, por exemplo, aos residentes em Carenque ou em Vila Nova de Foz Côa, gorar-se-ia, em larga medida, ao alcance que o direito de acção popular pode ter.
Esta é uma questão importante. Que fique ciam que, quanto a nós, o direito de acção popular deve poder ser exercido por todos os cidadãos individualmente considerados, independentemente de qualquer interesse individual ou de qualquer relação específica que tenham com os bens ou interesses em causa.
O direito de acção popular vai, assim, muito para além das formas já consagradas para a tutela de interesses difusos, que exigem, para a atribuição de legitimidade processual activa, não um interesse directo mas alguma conexão, algum grau de titularidade dói interesses em causa.
O direito de acção popular não exige que um cidadão seja directamente afectado por um crime ecológico para ter legitimidade para actuar judicialmente contra os seus responsáveis. Não exige, por exemplo, que um cidadão resida em determinada localidade para que, no caso em que se cometa um atentado contra o património cultural, a sua indignação tenha como consequência uma actuação destinada a impedir a sua consumação.
A acção popular é também um direito que pode ser exercido, como se sabe, colectivamente, através de associações de defesa dos interesses que estejam em
causa. Não se trata de uma mera acção colectiva, em que uma entidade colectiva se apresenta a defender interesses legalmente protegidos dos seus associados, mas, isso sim, do direito de uma associação, pelo facto de inscrever entre os seus objectivos a promoção de determinados interesses sociais, adquirir legitimidade para intervir, sempre que esses interesses sejam preteridos ou ameaçados, independentemente de quem seja directamente prejudicado com essa preterição ou de quem seja titular dos interesses ameaçados.
O exercício deste direito por pessoas colectivas, mobilizando a energia dos cidadãos para a defesa de interesses sociais relevantes e direitos fundamentais, constitui, de facto, uma poderosa arma contra a violação desses direitos. Já não se trata aqui da reacção de um cidadão anónimo contra uma multinacional poluidora ou contra uma administração irresponsável, estamos perante a possibilidade real de grupos de cidadãos, particularmente atentos e mobilizados, poderem desenvolver uma acção sistemática de defesa de interesses fundamentais da colectividade, gozando de uma especial protecção legal e podendo, evidentemente, desbloquear inércias de acção individual dos cidadãos, resultantes quer da eventual desproporção das forças em presença, quer da natural incredibilidade de muitos cidadãos quanto ao funcionamento da Administração e da Justiça.
Uma segunda nota que quero deixar diz respeito à dimensão não exclusivamente judicial do direito de acção popular. Não se nos afigura ser a melhor interpretação do texto constitucional a de que a acção popular apenas possibilita a intervenção por via judicial É verdade que a Constituição se refere expressamente à perseguição judicial de infracções, mas prevê também o direito de promover a prevenção e a cessação dessas infracções, por forma não necessariamente judicial.
É que, a não ser assim, a revisão constitucional de 1989 teria representado um recuo em relação à redacção anterior do artigo 66.º, que previa a concessão a todos do direito de promover e prevenção ou a cessação de factores de degradação do ambiente, sem que alguém alguma vez tenha afirmado a dimensão exclusivamente judicial desse direito ou tenha negado a sua dimensão procedimental.
De qualquer forma, creio que, independentemente das leituras que se possam fazer do texto constitucional, todos concordaremos com a consagração da dimensão procedimental da acção popular, e isso é importante.
O Código do Procedimento Administrativo em vigor alarga a legitimidade para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos aos cidadãos a quem a actuação administrativa provoque, ou possa previsivelmente provocar, prejuízos relevantes em bens fundamentais, como a saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida e, ainda, aos residentes na circunscrição em que se localiza algum bem do domínio público afectado pela acção da Administração.
Trata-se de um alargamento da legitimidade para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos, mas não se trata da consagração do direito de acção popular ao nível do procedimento administrativo.