98 I SÉRIE - NÚMERO 2
às normas gerais resultar para alguma pessoa ofensa à integridade física ou a morte.
Nenhuma reserva nos merece, pois, o conteúdo dos artigos l.º e 2.º da proposta de lei, na medida em quê, subjacente ao respectivo enunciado, está o entendimento que perfilhamos de que as respectivas condutas já não se apresentam apenas como socialmente intoleráveis, pois atingiram um tal grau de reprovação social e ética que justificam a sua colocação sob a alçada da lei penal.
Também o conteúdo do artigo 4.º, que respeita à publicidade, não nos suscita qualquer reparo. A obrigação de afixar avisos de proibição em locais visíveis é de aplaudir e nem envolve sacrifício ou despesa significaste para os organizadores. Por outro lado, é avisada essa medida, até por ser de admitir que não haja ainda da parte de muitos dos destinatários, que serão sobretudo jovens, uma particular sensibilidade para o desvalor subjacente à incriminação, o que justifica algo mais do que a mera publicidade, que sabemos mais formal do que real, inerente à inserção da lei no Diário da República.
Já no que diz respeito aos artigos 3.º e 5.º, entendemos dever expressar acentuadas reticências que têm tanto de dúvidas acerca da sua conformidade constitucional quanto de interrogações sobre a necessidade e conveniência das soluções propostas.
No n.º 1 do artigo 3.º, diz-se que «o condenado pela prática de um crime previsto nos artigos anteriores é passível de uma pena acessória de proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos (...), pelo período de 1 a 5 anos». E no n.º 3 vai-se ainda mais longe, prevendo-se que, para garantira execução das penas acessórias, possa ser imposto ao condenado a «obrigação de se apresentar nas instalações da força de segurança da área da sua residência, nas quais permanecerá durante o tempo indispensável à respectiva identificação, em dias e horas em que ocorrerem as manifestações cuja frequência lhe é proibida (...)».
Já no relatório e parecer que elaborámos na 1.ª Comissão chamamos a atenção para a forte probabilidade de estar a ofender-se o chamado «princípio da proibição do excesso», já que tais medidas não parecem respeitar a adequação nem a proporcional idade ou exigibilidade.
Alei ordinária só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se às necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Sr. Ministro, como é que a apresentação numa esquadra durante o tempo indispensável a uma identificação seria eficaz para assegurar a não presença numa manifestação que pode durar duas, três ou quatro horas?! E que mais dizer se, ao fim das primeiras identificações, as restantes já se fazem por simples conhecimento pessoal, ainda mais rápido e fulminante? Chamemos as coisas pelo seu nome e convenhamos que alguma eficácia neste domínio só se conseguiria com uma detenção de duvidosa legalidade, eu diria mesmo, de certa ilegalidade.
A verdade, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, é que, na maioria dos casos a submeter a julgamento - e é bom que este raciocínio se faça! -, a medida concreta da pena permitirá e aconselhará mesmo a sua suspensão pelo período de 1 a 5 anos. E o Código Penal prevê claramente que, nesses casos de suspensão, o tribunal possa impor ao condenado regras de conduta, tais como não frequentar certos meios e lugares ou não estar presente em determinados recintos, etc..
Para os casos mais graves e mais raros de delinquentes por tendência, sempre resta o recurso à aplicação da pena relativamente indeterminada que tem a particularidade de devolver para a fase da execução o quantum exacto da privação da liberdade que o delinquente deve cumprir. Mas não esqueçamos que aqui, quando muito, estaremos mais na presença daquilo a que já se chamou delinquentes associais do que propriamente de delinquentes perigosos, situação que se apresentará manifestamente rara.
E entre uma e outra das situações descritas ou configuradas será mais prudente reduzir a amplitude desse polémico artigo 3.º à simples «inibição» de entrada em recintos onde ocorram as manifestações, associada à cominação de desobediência. De resto, é uma solução em tudo idêntica àquela que ficou consagrada no artigo 16.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 270/89, de 18 de Agosto, que estabelece medidas preventivas e punitivas da violência associada ao desporto.
Sobre buscas e revistas, reconhecemos que é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre o perigo que pode significar a atribuição pura e simples de um poder à polícia para proceder a buscas e revistas em fase de pré-inquérito e em presença de meras suspeitas e a necessidade de não frustrar os desejáveis fins de prevenção, com vista à segurança dos cidadãos, e de assegurar que as manifestações se desenrolem em ambiente de correcção e de civismo, ainda que animadas por um saudável espírito de competição.
Aqui não estão em causa direitos tão caros como o da inviolabilidade do domicílio quando se trata de buscas. E bem pode dizer-se que uma revista neste particular circunstancialismo não chegará sequer a ser vexatória. Penso que as revistas podem, portanto, «passar».
E quanto às buscas? Tranquiliza-nos o facto de se apresentarem como confinadas aos recintos no texto da vossa proposta de lei e de sabermos que o conceito de recintos, pelo menos, tal como vem sendo entendido, não coincide exactamente com o de complexos. Já o citado Decreto-Lei n.º 270/89, de 18 de Agosto, distinguiu recinto desportivo de complexo desportivo, restringindo o primeiro ao espaço criado exclusivamente para a prática do desporto com carácter fixo e com estruturas de construção que lhe garantam essa afectação e funcionalidade, dotado de lugares permanentes e reservados a assistentes sobre controlo de entrada. Colocamos sérias dúvidas no que diz respeito à extensão indiscriminada e nem sequer previsivelmente regulamentada dessas buscas a estabelecimentos de ensino privados ou públicos ou instalações reservadas que integram nomeadamente os complexos desportivos, onde podem estar instalados, por exemplo, consultórios médicos, relativamente aos quais são asseguradas outras formas de garantia e de controlo jurisdicional.
Em conclusão, desta proposta de lei aproveita-se tudo quanto respeita à incriminação e à publicidade (artigos 1.º, 2 º e 4.º), e aproveitar-se-á parte do que respeita a buscas e revistas (artigo 5.º). Penso que o artigo 3.º deve ser mais para esquecer ou, no mínimo, para alterar profundamente, na certeza de que, no quadro da legislação vigente, já se encontram institutos cuja aplicação concreta urge estimular e que são só por si capazes de dar resposta às preocupações de eficácia e de exequibilidade manifestadas. Digamos que esta proposta de lei tem uma parte de conteúdo válido, que é de subscrever, e tem, mormente o