280 I SÉRIE - NÚMERO 8
consiga resistir pausada e serenamente à pressão dos clamores de certa opinião pública ou aos arautos do medo e de insegurança, no que sinceramente não queremos acreditar. É que, Srs. Deputados, foram os votos do PSD que, há escassos dois anos atrás, fizeram aprovar o novo Código Penal que vigora desde 1 de Outubro de 1995 e foi nessa mesma revisão que o PSD impôs a liberdade condicional tal como vem vigorando até hoje.
Ou seja e em síntese, actualmente, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional no meio da pena, mediante certas condições, ou a 2/3 da pena, nos casos de condenação a prisão superior a 5 anos por crimes contra as pessoas ou crimes de perigo comum, mediante certos requisitos e obrigatoriamente aos cinco sextos de pena.
Não obstante, um ano após a entrada em vigor destes dispositivos, aliás largamente discutidos em sede de comissão parlamentar, o PSD optou pelo presente agendamento potestativo a que acorreu pressuroso e, no seu estilo habitualmente maximalista, o PP.
A questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a seguinte: o que mudou em Portugal de forma tão profunda em dois anos? O que faz correr o PSD trazendo na peugada, em batimento ainda mais forte, o PP? Ou, ainda, onde nasceu esta espiral de insegurança e de medo que leva alguns partidos a ajoelharem-se com tal celeridade perante o vezo securitário das medidas restritivas da reintegração social dos seres humanos, mesmo quando reclusos?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo já anunciou propósitos de aperfeiçoamento em matéria de Código Penal e diplomas conexos mas não apenas em sede de liberdade condicional. Também em matéria de direito penitenciário, de reexame dos Tribunais de Execução de Penas, de flexibilização e melhoria de meios e de eficácia do Instituto de Reinserção Social, e sempre sem esquecer a área ainda pouco experimentada das penas alternativas e de novas medidas que reduzam o avassalador número de presos preventivos. E, o tal conjunto, forçosamente incompleto, de medidas que ora elenco e que bem poderiam ser complementadas pelos projectos de lei em exame, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dará toda a disponibilidade para discutir e acompanhar. Mas tal, Srs. Deputados, carece da prévia e amadurecida ponderação que preexiste a todas as medidas que têm a ver com os valores indissociáveis da liberdade e da segurança, a que alude o normativo do artigo 27 º da Constituição.
É que, de facto, Srs. Deputados, acabar com a liberdade condicional numa panóplia de 17 crimes, desde o homicídio simples ao terrorismo, passando pelo tráfico de droga como pretende o CDS-PP ou estilhaçar o citado instituto da liberdade condicional em sete crimes, desde o homicídio qualificado à violação passando igualmente pelo tráfico de droga, como visa o PSD, «não resolverá o problema da criminalidade e não aumentará a segurança das pessoas», disse-o o eminente penalista e pai do Código Penal, Professor Figueiredo Dias, e em tais ideias é acompanhado por muitos e variados penalistas e magistrados.
Desde logo, Srs. Deputados, porque tais asserções e intenções de endurecimento do regime de liberdade condicional, por excessivas, e de modo clamoroso no caso do projecto de lei do PP (que excede e supera a sua iniciativa legislativa em matéria de Código Penal que esta Câmara rejeitou o ano passado), são um claro passo atrás nos fundamentos ressocializadores e de reintegração social inscritos no artigo 40.º do Código Penal. Trata-se de um verdadeiro passo atrás na modernidade do nosso direito substantivo penal e tais medidas fazem tábua rasa da especificidade do direito penal português desde meados do século passado. Uma vez mais na esteira de Figueiredo Dias e Costa Andrade, trata-se de acabar com a crença da corrigibilidade dos seres humanos, ou da sua generalidade, e de optar pelo simplismo de concepções penais retributivas, filhas dos sistemas arcaicos do crime e do castigo.
Srs. Deputados, o vetusto instituto da liberdade condicional existe em Portugal desde 1893 e até com afloramentos anteriores no projecto do Código Penal de 1861 e, ao longo dos tempos, por entre a discussão de se tratar de um incidente de execução de pena ou antes de uma verdadeira medida de segurança, veio a afirmar-se como uma verdadeira necessidade de testar e controlar o recluso antes da sua libertação definitiva. Ou seja, trata-se de um estádio de transição entre o meio prisional e a vida em liberdade plena.
Seguro será que o instituto, quanto ao seu plasmar prático, pode merecer críticas e censuras mas sobretudo no concernente ao seu deficiente funcionamento. Isto é, óbvio se torna que a reinserção social dos reclusos, objectivo central da liberdade condicional, carece de maior eficácia no controlo e acompanhamento dos libertados condicionalmente mas também de mais meios que possibilitem um extenso sistema de colocações e empregos de todos e cada um dos reclusos colocados ao abrigo desse regime.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo da República, pela voz douta do seu Ministro da Justiça, vem anunciando uma série de projectos e reformas que tenham em conta também a reinserção social no interior das prisões. Daí os protocolos firmados e a firmar com os Ministérios da Saúde, para a Qualificação e o Emprego, da Educação e com a Secretaria de Estado dos Desportos, tudo visando humanizar e dignificar a vida em reclusão e essencialmente buscando criar condições para uma integração social dos reclusos mais apetrechada e profícua.
É óbvio, Srs. Deputados, que subsistem ainda problemas nas prisões. É bom não esquecer que, durante dezenas de anos, com excepção da cadeia do Funchal, nada foi construído em matéria de estabelecimentos prisionais. Mas reconheça-se que o aumento de 4,7 milhões de contos no orçamento da Justiça para 1997 em matéria de investimentos em equipamentos e construções na área dos serviços prisionais é claramente um esforço enorme do qual resultarão medidas que a médio prazo alterarão significativamente o panorama prisional.
Srs. Deputados, seria pura estultícia afirmar desta tribuna que não há incompreensões na opinião pública ou que não haverá delinquentes cuja perigosidade possa carecer de medidas especiais a ponderar reflectidamente. Não obstante, será bom esclarecer alguma desinformação que, por vezes, por aí grassa. De facto, generalizou-se a convicção de que a maioria dos reclusos saem ao meio da pena. Bom, se isto foi verdade, hoje já não o é; desde logo, porque, quando tal ocorreu, isso se deveu com frequência às diversas e quase regulares amnistias genéricas que ocorreram ao longo dos últimos 22 anos. Não discutindo agora o seu mérito porque, na generalidade, tiveram o acolhimento unânime da Câmara, a verdade é que em regra tais amnistias provocaram inevitáveis perdões de penas. E, perante tais quadros legais, os juízes dos Tribunais de Execução de Pena mais não podiam fazer do que cumprir a lei.