1466 I SÉRIE - NÚMERO 41
Sr. Presidente, observou existirem dúvidas quanto ao carácter irrevogável do consentimento e da renúncia ao benefício das regras da especialidade.
Foi entendimento da nossa Comissão que estas observações são inteiramente pertinentes. No entanto, pareceu-nos que haveria de fazer aqui uma distinção entre o que significa a irrevogabilidade do consentimento e o tratamento a dar à irrevogabilidade da renúncia ao benefício da especialidade. Pensamos, com efeito, que são situações distintas porque se em relação à primeira, à regulação do consentimento, se compreende que deve haver um ponto de equilíbrio entre o carácter irrevogável e o núcleo essencial dos direitos fundamentais que podem estar associados a esta irrevogabilidade e à necessidade de não introduzir efeitos perversos nesta pretensão de caminhar-se para um processo mais expedito e aligeirado, por outro lado, essas mesmas razões não se verificarão, no nosso entender, no caso da renúncia ao benefício das regras da especialidade.
No entanto, em relação ao primeiro dos casos, ou seja, ao consentimento, encontramos na legislação interna portuguesa, concretamente no Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, um critério de solução. Este diploma tem, efectivamente, uma natureza supletiva, mas aponta para a irrevogabilidade, não propriamente a partir do momento em que é declarada mas a partir do momento em que é homologada pelo juiz e são, nós sabemos, momentos que necessariamente não coincidirão.
Como disse, em relação à especialidade, não nos repugna que ela, em qualquer altura, possa ser revogada.
Em conformidade, entendemos que o Governo deveria ter inserido aqui uma declaração, aliás, pela forma como foi ressalvada e prevista no próprio texto do artigo 8.º.
Já me parece, salvo o devido respeito, que se não tornará necessária a explicitação de que o consentimento não implica, necessária e automaticamente, a renúncia. Quanto a isso, penso que a questão não chega efectivamente a pôr-se, pois só se poria se o Governo tivesse feito a declaração prevista no artigo 9.º. Como a não fez, penso que essa observação não está justificada.
Em resumo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi de parecer que esta proposta de resolução preenche todos os requisitos regimentais e constitucionais para poder ser aprovada na generalidade.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Europeus, tem a palavra, na qualidade de relatora, a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O relatório da Comissão de Assuntos Europeus é do seguinte teor.
O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 31/VII, que aprova, para ratificação, a Convenção relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados membros da União Europeia, estabelecido com base no artigo K. 3 do Tratado de Maastricht e assinada a 10 de Março de 1995, em Bruxelas.
A presente Convenção, aprovada segundo a disciplina própria da Cooperação nos Domínios da Justiça e dos Assuntos Internos criada pelo Tratado da União, prende-se, pelo seu âmbito e alcance, com a cooperação judiciária em matéria penal, considerada questão de interesse comum nos termos do artigo K. l do mesmo Tratado.
Alicerçada em três pilares, a construção europeia saída do Tratado de Maastricht proeurou que, à reafirmação, redefinição e extensão das competências comunitárias (Primeiro Pilar), passassem a acrescer sectores outrora relevantes da actuação intergovernamental e a que o Tratado da União conferiu uma dinâmica centrípeta através do patrocínio comunitário em que os envolveu - além da Política Externa e de Segurança Comum (Segundo Pilar), também a Cooperação nos Domínios da Justiça e dos Assuntos Internos (Terceiro Pilar).
Numa perspectiva pragmática, o Terceiro Pilar visou promover uma mais adequada e eficiente consecução dos objectivos gerais da União, em especial a livre circulação de pessoas e a. realização do Mercado Único Europeu. Não obstante o seu carácter claramente instrumental, o Terceiro Pilar, fruto do consenso possível entre os Estados membros, pretendeu jogar a cartada da consagração no Tratado da União, aí residindo, aliás, o seu principal trunfo face ao anterior modelo de cooperação política.
Todavia, o Terceiro Pilar acabou por revestir uma fisionomia híbrida, que funde a intergovernamentalidade remanesctente com um processo de comunitarização mitigada, selectiva e a prazo, em que as instituições europeias têm uma intervenção discreta.
Como o texto da presente Convenção evidencia, a Comissão ficou privada do direito de iniciativa neste campo, que subsiste na titularidade exclusiva dos Estados membros; o Conselho de Ministros aprovou a Convenção por unanimidade; e o Tribunal de Justiça viu-se afastado do exercício normal das suas funções em sede interpretativa e de resolução de eventuais diferendos quanto à aplicação do texto adoptado, uma vez que a Convenção não previu expressamente a sua intervenção para o efeito.
De inequívoca importância para a simplificação e flexibilização dos procedimentos de extradição, tornados mais eficazes e mais céleres face ao modelo inicial ínsito na Convenção Europeia de 13 de Dezembro de 1957, o presente texto, reflectindo ainda resquícios da intergovernamentalidade, procura já posicionar-se para assegurar o reforço da cooperação judiciária e, bem assim, para permitir, a prazo, a criação de um espaço judiciário europeu.
Acresce que, dada a fundamentação jurídica invocada e a natureza dos mecanismos utilizados na negociação, a Convenção, uma vez aprovada, há-de ser ratificada pelos Estados membros à luz das respectivas disposições jurídico constitucionais, razão subjacente, aliás, à proposta de resolução ora apresentada à Assembleia da República pelo Governo português.
Em termos substantivos, ao remeter para o Direito dos Estados membros em matérias atinentes à efectiva garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, a Convenção não colide com a ordem jurídica portuguesa quer no plano constitucional quer a nível de legislação ordinária.
Assim, por referência ao artigo 33.º da Constituição política, começam desde logo por estar salvaguardados os direitos dos cidadãos portugueses, em relação aos quais não é constitucionalmente admissível a extradição do território nacional, uma vez que um semelhante pedido não seria aceite pela autoridade nacional competente. De igual modo, ao remeter para o Direito vigente em cada Estado membro, a Convenção não pode ser aplicada em Portugal a casos em que a extradição seja solicitada mediante invocação de motivos políticos e, bem assim, se ao crime de que o extraditando for acusado corresponder, no Estado requisitante, a pena de morte.