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1462 I SÉRIE - NÚMERO 41

Não vivemos em Portugal, felizmente, e nem sequer na Europa comunitária a tragédia dos refugiados, com a intensidade de todos conhecida nalgumas áreas do mundo. Não somos mesmo - e creio estarmos todos de acordo - um país de tradicional procura para asilo ou refugio de perseguidos ou de estrangeiros que careçam de protecção.
Não obstante isso, temos o dever de, enquanto Estado e no quadro da União Europeia, proceder sempre a um esforço sério e permanentemente actualizado no sentido de observar uma política de asilo clara, justa e solidária.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dispõe a nossa Constituição, no seu artigo 33.º, n.º 6, que «é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana».
Deste preceito, que releva do maior significado, só dispensado aos chamados direitos, liberdades e garantias fundamentais, se fez ponto de partida para a primeira lei ordinária que, em 1980 - a Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto -, versou sobre o direito de asilo e o estatuto do refugiado e que, durante 13 anos, se manteve em vigor, até à aprovação, pelo Parlamento, da Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, cuja alteração aqui hoje se inicia em termos de discussão.
Não merece a pena - creio eu - perder tempo, em sede deste debate, a enumerar ou qualificar os passos atrás que esta Lei n.º 70/93 representa na regulação, que deveria ser positiva, e não foi, do direito de asilo em Portugal nem mesmo o que ela significou de desfasamento relativamente ao quadro legal europeu. O contexto político de então - Agosto de 1993 - explica tudo.
Hoje, parece-nos claro que, com a aprovação pela União Europeia da resolução sobre as garantias mínimas dos processos de asilo e os princípios de eficácia e de celeridade, se impõem que adoptemos uma lei que preveja um processo justo e rigoroso, adaptado às realidades do nosso país.
O projecto de lei em discussão é um contributo para tal objectivo, como o foi já a audição parlamentar sobre a situação dos refugiados em Portugal e bem assim as soluções que, em sede de Governo - sabemos todos, creio eu -, se anunciam para breve nesta matéria.
Caber-nos-á, em tratamento posterior deste projecto, discutir o particular do seu articulado, sendo verdade, no entanto, que também o PS, quando na oposição, se opôs à actual lei, que, como recordo, não votou favoravelmente.
Há, no entanto, alguns problemas centrais no direito de asilo e na sua configuração legal que constituem nossa primeira preocupação e motivarão, de hoje em diante e até à solução final da lei, a postura global do PS quanto a esta questão.
Em primeiro lugar, a definição de uma nova matriz processual na determinação do estatuto do refugiado.
Sabemos que a solução da Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, ao estabelecer o processo normal e o processo acelerado para a concessão de asilo, resultou, na maioria dos casos, numa rejeição liminar, cuja coerência de procedimento não teve objectivamente justificada. Isto porque mais de 90% dos pedidos de asilo em Portugal seguiram a forma de processo acelerado.
Defendemos, por isso, um novo modelo assente numa sequência processual que, partindo da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo, termine numa fase ulterior de apreciação do mérito desse pedido, sempre com garantias de apreciação por entidade qualificada, mecanismos de recurso, acompanhamento permanente e assistência jurídica nos quadros normais e conhecidos.
Em segundo lugar, a clarificação das garantias oferecidas aos peticionários de asilo em fase de recurso.
Consideramos que o direito de permanência no território nacional até à decisão final deve ser claramente garantido aos requerentes, sob pena de violação do princípio de non refoulement.
Nestas circunstâncias, quer na fase inicial quer na fase de recurso contencioso, deverão ser observados e legalmente acolhidos efeitos suspensivos.
Em terceiro lugar, consagração da protecção por razões humanitárias e regime de protecção temporária.
A actual lei consagra, no seu artigo 10.º, um regime excepcional por razões humanitárias, que não se mostra definível nem como asilo nem como protecção temporária. Importa, pois, alterar no sentido de aproximar o tratamento concedido no âmbito deste tipo de protecção aos padrões definidos na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de 1967.
A necessidade de protecção dos requerentes de asilo - sendo, como podem ser ou devem ser, refugiados de facto - não se compatibiliza com um tratamento equiparado ao dos imigrantes, daí a necessidade da sua autonomização. Mas isto não impede ou invalida o estabelecimento de um regime de protecção temporária, mais precário e limitado no tempo, onde se estabeleçam os direitos e deveres dos seus beneficiários, num quadro específico de medidas, no contexto da solidariedade internacional e da repartição de encargos.
Em quarto lugar, previsão de um conjunto de condições mínimas de apoio social.
É verdade que os requerentes de asilo, na sua grande maioria, atravessam situações da maior precaridade durante todo o decurso processual e que os seus apoios se circunscrevem a ajuda de emergência prestadas pela ACNUR, pela CPR e por outras ONG de vocação humanitária, cuja actuação altamente meritória aqui aproveito para reconhecer e enaltecer.
Importa criar um sistema adequado à natureza humanitária do direito de asilo, contribuindo, de forma pragmática, para a satisfação das necessidades elementares dos requerentes de asilo e refugiados em Portugal, em condições mínimas de dignidade humana, com especial atenção para aqueles que são mais vulneráveis, como menores desacompanhados, às mulheres ou a pessoas traumatizadas e outras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Seja-me permitido, antes de terminar, citar um breve extracto de uma brilhante intervenção do nosso Presidente da Assembleia, Dr. Almeida Santos, por ocasião da audição sobre direito de asilo realizada meses atrás: «É que o asilo, depois de por longo tempo - que se perde nos confins da memória - ter sido configurado como um dever ético, tornou-se, em plena floração dos direitos de validade universal, um dever jurídico.
Tomemos clara consciência de que não é mais uma faculdade, insita, entre outras, na disponibilidade soberana dos Estados, mas que, para os que assumiram os direitos fundamentais como direito seu, é hoje um desses direitos».
A esta luz e com este espírito, em presença do projecto de lei hoje em discussão e dos contributos que se lhe