6 DE JULHO DE 1997 2731
económica privada a determinadas actividades económicas, e do projecto de lei n.º 231/VII - Abertura à iniciativa privada do sector das telecomunicações (PSD).
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar uma proposta de nova lei de delimitação de sectores, permito-me sublinhar que esta iniciativa legislativa, no essencial, representa um melhor ajustamento à Constituição material e formal e à Constituição económica e um aperfeiçoamento no plano técnico-jurídico, com a eliminação de normas redundantes ou inúteis.
A Constituição consagra, como é sabido, um modelo de economia mista, plural, que combina diversos sectores de propriedade de meios de produção e diversas formas de iniciativa económica: privada, social e pública.
É, no entanto, um modelo que, no plano da coordenação das actividades económicas, reserva para o mercado um papel prioritário, mormente depois das últimas revisões constitucionais, em que os aspectos da planificação e do planeamento foram reduzidos e subalternizados.
Em economias de coordenação pelo mercado, a regra é a do princípio da liberdade de acesso, a qual está constitucionalmente consagrada nos seguintes termos: «A iniciativa económica exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral».
A iniciativa económica privada, abrangendo quer a liberdade de criação de empresas quer a liberdade da sua organização e gestão, é, após a primeira revisão constitucional, considerada mesmo como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Significará isto que esta liberdade, este direito fundamental, não pode sofrer restrições? Não, não significa. Razões de política económica ou outras podem conduzir. dentro de certos condicionalismos, à previsão de restrições.
Entre nós, actualmente, sobressaem restrições de dois tipos: um, de natureza mais abstracta, levado a cabo através da técnica da definição de reservas de sector público e de regimes de acesso condicionado, e outro, de natureza mais concreta, ligado ao licenciamento prévio do exercício de certas actividades.
A existência de sectores vedados à iniciativa privada releva de medidas do primeiro tipo e tem assumido entre nós a faceta de reservas a favor do sector público. A Constituição consagra, a este respeito, a possibilidade de a lei definir os sectores básicos aos quais é vedada a actividade a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza. No entanto, a Constituição deixa para a lei ordinária a definição desses sectores básicos, sendo que até hoje tal matéria é regida pela Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, com sucessivas alterações que a transformaram numa verdadeira manta de retalhos. Esta definição tem sido feita de acordo com os objectivos de política económica e social dos diversos governos, a quem é reconhecida ampla margem de conformação e liberdade de opções, no respeito de um conjunto de princípios clara e estavelmente definidos de há uns anos a esta parte pela jurisprudência constitucional.
A propósito, recorde-se que, dada a consideração constitucional da liberdade de iniciativa económica privada como direito económico fundamental, daí resulta que regimes de limitação desse acesso devam consagrar, como se deduz do artigo 18.º da Constituição, o respeito pelos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito. Recorde-se ainda que, em virtude do Acórdão n.º 186/88, de 11 de Agosto, do Tribunal Constitucional; produzido na sequência de uma apreciação preventiva de constitucionalidade de um diploma que alterava, então, a lei de delimitação de sectores, passou a admitir-se que o princípio da salvaguarda do efeito útil da norma de vedação e o princípio do mínimo de vedação poderiam ser concretizados através da vedação de áreas económicas não lucrativas ou sem interesse para a iniciativa privada.
Afastou-se, deste modo, o critério da rendibilidade dos sectores vedados, inicialmente formulada pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que entendia a norma de vedação como instrumento de modificação do regime económico.
Numa perspectiva de política legislativa, procede-se agora à revisão da lei de delimitação de sectores, ajustando-a não só ao texto constitucional vigente como também às funções que as normas de vedação de sectores devem ter numa economia mista de mercado, clarificando-se o papel que uma lei de delimitação de sectores deve ter no nosso ordenamento jurídico-económico.
De facto, a lei de delimitação de sectores está, na sua actual formulação, desfasada no plano económico em relação às modificações havidas no tecido sócio-económico em Portugal e no mundo, em particular quanto às necessidades de dar respostas a questões como a mundialização da economia e de permanente renovação tecnológica, sem o que sectores como os das telecomunicações, de determinados serviços postais ou a própria indústria do armamento poderão confrontar-se com problemas que afectam a sua competitividade ou mesmo viabilidade, devendo, no plano de política económica, conformar-se às funções que actualmente prevalecem na actuação do Estado, hoje muito mais activo no plano da regulação económica e social do que na directa intervenção como produtor, empresário ou comerciante de bens e serviços.
E este contexto que explica a necessidade de se efectuar não uma mera revisão pontual e desgarrada mas, sim, uma revisão global, através de uma nova lei, dotada de uma filosofia clara que aceita o carácter excepcional, fundamentado na necessidade de prossecução de interesses constitucionalmente protegidos, da utilização pelo legislador da faculdade que a Constituição lhe confere de delimitar o acesso da iniciativa privada a determinados sectores de actividade económica considerados básicos, filosofia essa assente na ideia de que restrições a priori a um direito económico fundamental só se justificarão em casos muito limitados.
Por outras palavras, e tendo em conta os desenvolvimentos doutrinais e jurisprudências nesta matéria, a opção, de vedar determinados sectores à iniciativa privada deverá estar estruturalmente ligada à assunção colectiva da produção nesses sectores através da afectação de meios financeiros, não devendo a vedação operar em áreas em que não seja manifesto o binómio bem estar social/eficiência económica.
Esta opção tem, como é óbvio, um enquadramento político, o qual resulta de opções democraticamente expressas pelo povo português ao longo de vários anos e que se foram consolidando, tanto a nível do texto constitucional como a nível prático da intervenção .económica e jurídica do Estado, assente cada vez mais nas ideias de co-responsabilização, de parceria e de ordenação e