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3336 I SÉRIE - NÚMERO 93

çoes e das negligências que matam sem piedade? É um choque profundo com a dimensão do drama ou, antes, uma indiferença benevolente, como se os acidentes de viação fossem incontroláveis como o são a chuva ou o vento?
O automóvel dominou o século XX. É hoje uma indústria formidável, de que dependem milhões e milhões postos de trabalho. Mudou a paisagem das cidades e das vias de comunicação, mudou a própria psicologia humana com a produção em série e o acesso à viatura individual. Mas neste percurso, em que muito se ganhou, parece que, a certa altura, se perdeu o sentido da utilidade do automóvel como meio de transporte. Ele transformou-se numa espécie de meio de afirmação individual: cada um tem um automóvel mais veloz e é capaz de andar mais depressa do que o outro. Para os jovens, é a aventura. O modelo é o do máximo risco, o da competição arrasadora e sem limites.
A conclusão é evidente: não há no país uma consciência colectiva de reprovação desta situação desastrosa nem uma consciência clara da necessidade imperiosa de mudar profundamente os meios de acção e os comportamentos para por termo à catástrofe repetida.
O que aqui quero deixar, aproveitando esta proposta de autorização legislativa, é uma afirmação de revolta e alerta. Não sou, obviamente, original nisso, não descobri agora alguma coisa que ninguém tinha visto antes! Quero é juntar a minha voz a todos os que dizem «basta», aproveitando esta tribuna política e cumprindo como Deputado, eleito pelos meus concidadãos, um dever inalienável que
tenho para com eles: o dever de lutar pela defesa da sua vida e integridade física, pela sua segurança, pelo futuro pessoal dos portugueses e das suas famílias, pela vida dos nossos filhos, porque a vida é demasiado importante para
poder ser jogada na cega e absurda roleta russa que se joga nas estradas do país.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não estou aqui a dizer que nada se tenha feito. Fez-se muito. Vou só lembrar algumas mudanças dos últimos 20 anos: o uso obrigatório do capacete pelos motociclistas, o cinto de segurança, a lei do álcool, a inspecção periódica de veículos, a melhoria das estradas, etc., etc. Mas nas mentalidades avançou-se da mesma forma? A resposta que aqui deixo é simples: não!
Outra pergunta: foi feito o que era desejável, já não digo o máximo, ao menos o modestamente possível? A resposta é a mesma: não. Temos de agir mais no campo da educação. Há grandes consensos, mais daí à prática vai muito.
Temos de agir mais sobre as viaturas e sobre o lobby dos construtores. Os automóveis são cada vez mais potentes: um utilitário de gama baixa dá velocidades da ordem dos 160 Km/h; na gama média é frequente rondarem os 190 Km/h e já não falo da gama alta, por pudor! Porquê? Se os limites máximos em todo o mundo rondam os 120 Km/h nas auto-estradas, para que precisam os carros
de atingir os 200 Km/h? Por que é que a velocidade é um dos primeiros itens da publicidade das marcas de automóveis? O que esperam quando autorizam estas velocidades e a sua publicidade? Por mais espantoso que pareça, o que esperam é que sejam os condutores a terem o sentido da responsabilidade que os construtores de automóveis e as autoridades que superintendem a área não tiveram!
Temos de agir também sobre as estradas. Estão identificados muitos «pontos negros» e não há qualquer desculpa para não fazer, de imediato, o programa de correcção desses «pontos negros». Nenhuma informação do género «estamos a trabalhar nisso» é aceitável. Cada «ponto negro» identificado que subsiste constitui negligência criminosa das autoridades.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Há que agir sobre a legislação, designadamente para reprimir o que deve ser reprimido. Não haja medo das palavras, por favor, e assuma-se com frontalidade o que deve ser feito.
Há que agir sobre a fiscalização. Pergunto: se a velocidade máxima em certo sítio é x, por que é que o radar é colocado 20% acima dessa velocidade? E para quando a fiscalização através de meios aéreos?
Há que agir sobre os condutores. Questões como as estradas, as viaturas, a sinalização, a legislação e outras não podem servir para ignorar essa questão, também central, que é a da condução. O espírito de muitos condutores é o da competição contínua: são condutores que não aceitam ser ultrapassados, são os que se metem na faixa de ultrapassagem à saída de Lisboa e aí vão até ao Porto!
E condutores a velocidades que rondam os 180 km/h na auto-estrada são às mãos-cheias.
Nas cidades, os peões são completamente desprezados por muitos automobilistas, que ignoram as passadeiras. Em contrapartida, há os numerosos peões saltitantes no meio das ruas.
Com os motociclistas a guerra é total: conduzem entre as faixas de rodagem, seguindo os traços separadores. Mas, se não o fazem, então são os automobilistas que protestam e os ultrapassam sem mudarem de faixa, empurrando-os para a berma.
Eu sei que estou a pecar por não salientar os muitos e muitos utentes da estrada que cumprem as regras e nada têm a ver com este espírito de selva. Mas a realidade é que aqueles outros continuam a ser muitos. Num inquérito feito e publicado num jornal há pouco tempo, em Portugal, 65% dos condutores responderam que se consideram melhores condutores do que os outros - e nos homens, esse número sobre para 74%! E uma maioria esmagadora acha que são os outros, e não eles, quem comete infracções.
Com esta «porta de entrada» regresso à questão inicial que coloquei. Podemos agir sobre tudo isto - condutores, legislação, programas educativos e campanhas de publicidade -, mas, fundamentalmente, temos de agir sobre nós próprios, como corpo colectivo, para ganharmos a consciência da carga de calamidade pública que é esta questão e para construirmos uma opinião pública que condene com dureza a situação actual e os seus responsáveis.
Quando esta promoção do espírito de competição for socialmente condenada, quando as autoridades que não actuarem como devem forem devidamente punidas, quando as pessoas que actuam irresponsavelmente forem socialmente reprovadas, em vez de admiradas e invejadas - «ele foi capaz de ir ao Porto numa hora e meia!» -, como
hoje sucede, quando o poder político tiver a coragem de condenar os atentados à segurança e os apelos à competição, quando as pessoas forem para a estrada para chegar ao destino e não para ganhar uma batalha contra os que utilizam a mesma estrada, então será possível pôr um travão nesta hecatombe «estradal».
Esta é uma responsabilidade de todos. Não é um bocado do Governo, outro da polícia, outro do ACP, outro do sistema do ensino e por aí fora. É uma responsabilidade de todos, que todos têm de assumir nas suas diferentes
componentes.