21 DE NOVEMBRO DE 1997 615
Por outro lado, o balanço concreto dos referendos, sequer tentados, é nulo, não só se computarmos os oito anos de vigência dos preceitos constitucionais atinentes ao referendo nacional mas também se ponderarmos a figura próxima das consultas populares locais, que foram instituídas há mais de 15 anos, na primeira revisão constitucional de 1982, e em que nenhum caso foi efectivado.
Os referendos foram, até agora, quer no plano nacional, quer no plano local, o que em matemática designaríamos por um conjunto vazio. Daí que, se a experiência efectivada não nos fornece dados concretos para a avaliação da conformação do instituto do referendo, a sua ausência pode alertar-nos, com vantagem, para a necessidade de, no plano legislativo, removermos eventuais obstáculos que, no passado, dificultaram a realização desses mesmos referendos.
Em qualquer circunstância, o determinante é a vontade política de levar a cabo referendos com o alcance previsto na Constituição. Nenhuma engenharia jurídica pode substituir-se à vontade política, e esta sai reforçada por indicações inequívocas, decorrentes quer dos programas eleitorais submetidos pelos partidos políticos aos votantes em Outubro de 1995 quer das várias iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo e pelos Srs. Deputados sobre o regime jurídico do referendo hoje em debate.
Neste contexto, bem se poderá dizer que, a par da quarta revisão constitucional. esta legislatura ficará politicamente marcada pela realização dos primeiros referendos nacionais sobre questões de relevante interesse para a comunidade e, se permitem uma nota de cientista político, marcada pela interpretação do sistema político-representativo, face aos resultados do voto popular directo ou semidirecto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sem prejuízo de diversos aspectos menores ou meramente sectoriais. a que adiante aludirei, a reforma do regime do referendo que o Governo propõe corresponde a três objectivos centrais, colocados no centro da arena política pela própria revisão constitucional: em primeiro lugar, a ampliação do elenco de matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo; em segundo lugar, a cominação expressa da realização de uma consulta directa em matéria de regionalização; em terceiro lugar, o alargamento da participação dos cidadãos no processo referendário, fora do enquadramento institucional conferido pelos partidos e pelos seus grupos parlamentares na Assembleia da República, desta forma reforçando a natureza directa do protagonismo popular no próprio processo referendário.
Proponho-me analisar agora o significado das propostas que o Governo avança para alcançar estes três objectivos centrais.
No que concerne às matérias sobre as quais pode incidir o referendo nacional. a revisão constitucional, mantendo excluído do referendo, e bem, o próprio texto constitucional, que é ele próprio expressão de um consenso parlamentar alargado, forjado ao longo de 21 anos e de quatro revisões constitucionais. das quais três extensas e muito substanciais, ampliou a possibilidade de realização de referendos à generalidade das matérias constantes dos artigos 161.º e 164.º da Constituição, permitindo, desta forma, os referendos sobre um vasto elenco de questões que tenham de ser resolvidas mediante convenção internacional, com especial destaque para a possibilidade do referendo sobre matérias europeias nos termos e no quadro do Tratado de Amsterdão. Mantém-se, compreensivelmente, a excepção para o caso das convenções que versam sobre a paz e a ratificação de fronteiras.
A revisão constitucional consagrou expressamente, para além da iniciativa da Assembleia da República e do Governo, a iniciativa popular do referendo junto do Parlamento. permitindo assim que o processo de desencadear o referendo, assentando impostergavelmente numa decisão dos órgãos de soberania. possa também ter origem no movimento de um grupo de cidadãos que provoque, em primeira linha, a pronúncia do próprio Parlamento.
Neste quadro, a proposta de lei do Governo fixa em 1% do universo eleitoral o número necessário à iniciativa do referendo, a qual assume a forma de petição escrita endereçada à Assembleia da República. O primeiro subscritor é considerado o representante dos peticionários, embora possam ser indicados outros subscritores para o acompanhar ou até substituir nessa qualidade.
A iniciativa popular pode ser, flexivelmente, formulada ou não formulada. Se for formulada, entende-se que isso deve precludir a iniciativa superveniente sobre a mesma questão de qualquer outra entidade. Esta é a solução que representa, em nosso entender, a única forma de evitar que a iniciativa popular totalmente delimitada na sua intenção e formulação pudesse ser desvirtuada ou adulterada por iniciativas supervenientes concorrentes.
A iniciativa popular é obrigatoriamente apreciada em Plenário da Assembleia da República, mas, naturalmente, nos termos da Constituição, o Parlamento não está vinculado a aprová-la, mesmo que não seja inconstitucional ou ilegal. Sem embargo. o indeferimento liminar ou o arquivamento por não sanação de vícios em causa são recorríveis para o Tribunal Constitucional. por forma a permitir um controlo externo à decisão do Parlamento. A iniciativa popular caduca com o termo da legislatura, mas se os cidadãos subscritores quiserem retomá-la na legislatura seguinte, poderão utilizar a mesma lista de subscritores se entre a data da recepção da petição pelo Presidente da Assembleia e a data de renovação não tiver decorrido mais do que um ano.
Paralelamente, a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional mantém-se basicamente inalterada. Sem embargo, o Tribunal passa a apreciar também, nos termos da Constituição, os requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral. Por apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral deve entender-se que o Tribunal deverá pronunciar-se também sobre a parte da resolução da proposta de referendo, seja da Assembleia da República, seja do Governo, que explicitamente delimita o universo eleitoral para o referendo em causa. Se o Tribunal entender que o universo eleitoral fixado pelo Parlamento ou pelo Governo não respeita a Constituição e a lei, o Presidente não pode convocar o referendo sem que a inconstitucionalidade ou ilegalidade seja conformemente expurgada.
Quando se tratar, contudo, de iniciativa popular, a decisão negativa do Tribunal implica a sua caducidade. Entendemos que, neste caso, não deve haver possibilidade de os representantes dos cidadãos expurgarem a eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade, uma vez, que isso implicaria a utilização de uma lista de subscritores para uma finalidade que poderia ser diversa da que havia estado na base da adesão à iniciativa por cada um deles originariamente apresentada.
No caso de iniciativa popular, passa a haver o dever de notificação do Presidente da Assembleia da República, para além também do Presidente da República.