616 I SÉRIE - NÚMERO 16
A proposta de lei do Governo elimina o intervalo obrigatório de três meses entre a realização de dois referendos. Em nosso entender, como os Srs. Deputados sabem, a Constituição e a lei já permitem a realização de dois ou mais referendos no mesmo dia. Sem embargo, poderia ser importante evitar que se realizassem vários referendos sucessivos, com intervalos entre si muito curtos.
Na verdade, nessa circunstância, corre-se o risco de o País assistir a campanhas eleitorais sucessivas para o referendo.
A proposta de lei do Governo entende que essa questão não deve ser resolvida rigidamente na lei, devendo caber, isso sim, a quem define as datas do referendo, que é o Presidente da República, que o convoca, a apreciação da oportunidade política ou da própria necessidade da realização de vários referendos, seja em simultâneo, seja com intervalos curtos entre si.
No tocante ao universo eleitoral, seguindo a Constituição, passa a prever-se na proposta de lei do Governo o direito de participação de cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro, nos termos definidos na lei eleitoral para o Presidente da República, quando o referendo recai sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito - artigo 115.º, n.º 12, da Constituição, e artigo 38.º, n.º 2, da proposta de lei.
Quanto a isto haveria que densificar, por parte do legislador ordinário, a expressão indeterminada «matéria que lhes diga especificamente respeito». No artigo 38.º, n.º 3, o Governo optou por dizer que «entende-se existir especificidade sempre que as questões referendadas se repercutam de forma directa e imediata no exercício de direitos e deveres de não residentes em território nacional». Embora a fórmula adoptada pelo Governo possa ainda ser tida como relativamente indeterminada e estando nós disponíveis para considerar outros critérios, que, aliás, não constam dos projectos apresentados pelos partidos políticos para debate hoje nesta Assembleia, não nos parece, contudo, que a lei neste domínio possa ir muito mais longe do que avançamos.
O que significa que, de facto, grande parte da tarefa de delimitação do universo eleitoral se cumprirá caso a caso, partilhada por quem toma a iniciativa, o Parlamento ou o Governo, e quem tem a responsabilidade de controlar o Tribunal Constitucional.
Ainda no respeitante ao universo eleitoral, entendeu-se ser constitucionalmente permitido dividir o universo de cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro, nos termos definidos na lei eleitoral para o Presidente da República, isto é, optou-se por se considerar válida a possibilidade de em certos referendos só poder votar parte desse universo eleitoral, à luz do critério da finalidade das matérias que lhes digam directamente respeito. É o caso dos referendos sobre matérias referentes a assuntos da União Europeia, onde o Governo entende que devem participar os cidadãos portugueses residentes fora do território nacional, que residam em países membros da União Europeia.
Na campanha para o referendo, passam a poder intervir, para além dos partidos políticos ou coligações de partidos, que, aliás, para este fim deixam de ter de ser permanentes, grupos de cidadãos eleitores. Salienta-se que os partidos e coligações passam a ter de declarar com antecedência junto da Comissão Nacional de Eleições qual a posição que tomarão sobre a pergunta submetida a referendo. 15to deve-se essencialmente ao facto de a distribuição dos tempos de antena se passar a fazer de acordo com as próprias posições assumidas face à questão do referendo.
Os cidadãos eleitores podem participar como grupo na campanha, desde que reúnam 1% de assinaturas do conjunto do colégio eleitoral, um número, portanto, semelhante ao exigido para a própria iniciativa popular do referendo junto da Assembleia da República. Dessa participação decorre que terão direitos e obrigações equivalentes aos partidos e coligações em todo o processo eleitoral.
No que concerne à campanha eleitoral, o Governo optou por apresentar uma alteração no regime dos tempos de antena, que, sobretudo, incide sobre os critérios de distribuição desses tempos. Na lei em vigor, os tempos de antena são distribuídos igualitariamente pelos partidos intervenientes. Essa solução não só trata de modo igual partidos com diversa representatividade, como permite que uma das posições possíveis na resposta ao referendo desapareça dos tempos de antena ou seja sub-representada.
Na proposta do Governo criam-se condições para que o «sim» e o «não» tenham tempos de antena equivalentes, e só não será assim quando nenhum partido ou grupos se apresentar a defender uma dessas posições, o que - permito-me pensar - não será de esperar, atendendo ao carácter normalmente controverso e até, se quiserem, fraccionante das questões sujeitas a consulta referendária.
Para além disso, a distribuição de tempos entre os partidos representados na Assembleia faz-se dentro de cada uma das posições, em termos proporcionais e não igualitariamente. No caso de se tratar de iniciativa representativa, seja da Assembleia da República, seja do Governo, dois terços do tempo destinado a cada posição irão para os partidos com assento parlamentar, a restante parcela de um terço destinada a cada posição será confiada ao grupo ou aos grupos de cidadãos eleitores e a partidos extraparlamentares, sendo, nesse caso, distribuída também de modo igualitário.
Sobre os efeitos do referendo, o Governo optou por reeditar, no artigo 242.º da proposta de lei, a regra constitucional de que o referendo só tem eficácia vinculativa quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Esta regra não pode deixar de ser interpretada no sentido de que, se o número de votantes for inferior a metade dos eleitores, o referendo não é vinculativo para os órgãos de soberania. Sem embargo, é preciso reconhecer que o referendo ou é vinculativo ou, se não for vinculativo, não se pode dizer que não tenha existido. Realizou-se, não é vinculativo, tem um carácter político meramente indicativo.
Esta questão é particularmente relevante se se tratar de analisar as implicações da concepção acolhida pelo Governo na sua proposta de lei, no que diz respeito especificamente ao referendo relativo à instituição em concreto das regiões administrativas. O Governo optou por incluir neste diploma da lei orgânica do referendo a temática do referendo sobre a instituição em concreto das regiões por entender que se trata, no fundo, de um referendo nacional, que tem acopulado a si oito referendos regionais, estes com pergunta idêntica entre si.
Não faria sentido tratar o referendo sobre a regionalização em diploma à parte, uma vez que as regras, que são específica e exclusivamente aplicáveis ao referendo sobre regionalização, são em pequeno número e, no essencial, o corpo estruturante do referendo sobre a regionalização será o corpo estruturante do referendo nacional em geral.
Tão-pouco, em nosso entender, faria sentido tratar na lei sobre o referendo a pergunta nacional sobre a instituição em concreto das regiões e depois, num diploma autónomo, à parte, cuidar apenas da pergunta de incidência regional.