6 DE MARÇO DE 1998 1533
tivo, salvaguardar e reabilitar os recursos ambientais e naturais deverão ser objectivos centrais de uma tal lei, cuja necessidade está bem patente na forma desorganizada e contraditória dos nossos espaços urbanos, rurais, agrícolas, florestais, paisagísticos e ambientais.
Não é aceitável que continuemos a localizar infra-estruturas com carácter estruturante no ordenamento do território sem uma estratégia clara. Este procedimento dá inevitavelmente origem à actuação de grupos de pressão tentando impor a defesa de interesses particulares mais ou menos legítimos aos interesses públicos, os quais, na ausência de normas precisas e por todos assumidas, nem sempre são visíveis.
De resto, a execução da lei de bases do ordenamento do território resulta de um imperativo constitucional, o artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece igualmente para a sua aprovação competência reservada da Assembleia da República.
Por fim, existe a necessidade de preencher uma grave lacuna do nosso ordenamento jurídico, pondo cobro a um conjunto de normas desarticuladas, sem coerência, muitas vezes contraditório, que constitui a actual legislação avulsa sobre planeamento e urbanismo, justamente pela falta de bases programáticas que enformem e informem esta legislação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o PCP, a aprovação de uma lei de bases do ordenamento do território que corresponda às necessidades reais do nosso país é uma tarefa essencial, fundamental e prioritária.
Há pouco mais de duas semanas, o nosso grupo parlamentar promoveu a realização de um seminário que contou com cerca de uma centena de participantes, entre representantes de organizações sócio-profissionais e de defesa do ambiente, autarcas, académicos e técnicos especialistas das múltiplas disciplinas que concorrem para o correcto ordenamento do território.
Não é possível, aqui e agora, transmitir toda a riqueza do conjunto das intervenções efectuadas nem o manancial de informação e formação recolhidos, mas ressaltou reforçada a convicção, que é também a nossa, de que a proposta de lei de bases do ordenamento do território apresentada pelo Governo, cuja discussão estamos a efectuar, necessita de profundas correcções e clarificações sobre legislação complementar, as quais não se podem limitar a ligeiras alterações de forma. Ou seja, esta proposta necessita de ser trabalhada e enriquecida com contribuições múltiplas e variadas, sem deixar de ser, obviamente, uma lei de bases. É necessário introduzir-lhe correcções de conteúdo, com o objectivo de a clarificar e de lhe conferir maior eficiência normativa, no sentido do rigor que se pretende para o ordenamento do território e no respeito pela aplicação de princípios e objectivos, definidos, aliás. no Capítulo I da proposta de lei, mas cuja aplicação não está, a nosso ver, assegurada pelo restante articulado.
Caso o Partido Socialista, naturalmente, porque é o partido que apoia o Governo proponente, esteja aberto à discussão na especialidade e à introdução de alterações, que, repetimos, não são ligeiras correcções de conteúdo, estamos disponíveis para contribuir para a elaboração dessas alterações e para a aprovação de uma importante lei de bases do ordenamento do território e do urbanismo.
Apesar de demasiado tempo ter decorrido entre a discussão pública do anteprojecto apresentado pelo Governo e a apresentação desta versão da proposta de lei, o grupo de trabalho encarregado da sua execução não conseguiu
traduzir para o articulado muitas contribuições, bastante positivas, apresentadas pelas mais variadas organizações durante o período de discussão pública, que. aliás, diga-se, teve uma participação muito significativa de todos os sectores de actividade interessados, bem como das autarquias locais e das suas associações e das associações de defesa do ambiente.
Relativamente à proposta, sem entrar, naturalmente, na discussão na especialidade, há algumas questões de princípio que, a nosso ver, terão de ficar bem definidas.
Em primeiro lugar, afigura-se-nos absolutamente fundamental a questão da transformação do uso do solo e da concepção que a lei adopta nesta matéria, a qual, na nossa opinião, não está clarificada. Ou seja, em que medida é que a transformação da estrutura fundiária é entendida como parte integrante do direito de propriedade ou, pelo contrário, em que medida é entendida como uma prerrogativa do sector público, seja ao nível central, regional ou local? A concepção a adoptar é tanto mais confusa quanto a conjugação dos artigos 15.º e 18.º não tem, de forma alguma, em conta a realidade existente e pode conduzir à inexequibilidade de todos os planos de ordenamento do território.
De facto, a redução da classificação do solo às categorias urbana e rural introduz distorções dificilmente ultrapassáveis se conjugadas cegamente com os conceitos de indemnização, compensação e perequação. Sucede que os planos directores municipais, elaborados na ausência de uma política de solos, têm, naturalmente, todos eles, enormes perímetros urbanos que reflectem não a previsibilidade de urbanização mas, sim. a sua admissibilidade. Ora, transformar estes espaços, na ausência de uma melhor classificação, em solo urbano, sem sequer possuírem infra-estruturas de qualquer espécie, não é, de modo algum, legítimo e introduz custos de compensação e indemnização que impediriam a exequibilidade de qualquer plano, como facilmente se depreenderá.
Em segundo lugar, importa definir a questão da hierarquia dos planos municipais, regionais, sectoriais e especiais.
Rejeitamos liminarmente que se parta do princípio de que a administração central defende necessariamente todos os valores correctos do ordenamento do território - ambientais, patrimoniais, interesse público, etc. - e a ameaça vem sistematicamente das autarquias locais.
Decorre do artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa que compete ao Estado assegurar o ordenamento do território e o urbanismo de qualidade, mas tal não significa que compita ao Estado fazê-lo através de intervenção casuística e avulsa, de forma a que tudo o que for importante seja retirado à competência municipal, quando a prática tem demonstrado, em inúmeros casos, que a administração central tem chamado a si a elaboração directa de determinados planos para defesa de valores de normas excepcionais, de actos administrativos e avulsos, acaba ela própria por esvaziar o conteúdo do próprio plano.
A intervenção do Estado deve ser uma intervenção fundamentalmente normativa. A elaboração de normas gerais, além de ser um garante de maior transparência. salvaguarda a democraticidade do processo legislativo ou do processo regulamentar, impede actuações avulsas, que, frequentemente, são discriminatórias, e defende o princípio da igualdade, questão fundamental no ordenamento do território.