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18 DE DEZEMBRO DE 1998 1081

A Oradora: - Chocante foi ver a forma como a Ford Electrónica anunciava aos trabalhadores esse remédio amargo para as lesões irreversivelmente contraídas ao serviço dos lucros da multinacional.
Em vésperas de Natal, em carta, a empresa anunciou aos trabalhadores - que eufemisticamente trata por colaboradores - aos que privou do direito à saúde, do direito à realização profissional no trabalho, um pacote de benefícios!
Os benefícios anunciados são, pura e simplesmente, o desemprego com míseros patacos que a empresa se propõe negociar com os trabalhadores, dando preferência às trabalhadoras mais afectadas por tendinite ou com sérios riscos de agravamento do seu estado clínico.
À missiva da empresa não falta o remate cínico de quem se arroga o direito de lesar a saúde de quem trabalha. A carta termina, despudoradamente, com a afirmação de que assim - com o despedimento - se dá um passo em frente para a resolução do problema provocado pelas tendinites. E de que assim - com o despedimento - se proporciona aos profissionais afectados por tendinite a continuação da carreira profissional nas melhores condições possíveis, de modo a que atinjam a sua realização pessoal e profissional. Tartufo não diria melhor!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas se isto é um escândalo, a verdade é que a indiferença das multinacionais à vida dos trabalhadores, acentuada pelo retrocesso que, no último quartel deste século, se verificou relativamente aos direitos humanos dos trabalhadores, não nos espanta.
A Ford Electrónica conseguiu um subsídio vultuoso do Estado português, usando de má-fé ao omitir que o seu sistema de produção causava graves doenças profissionais aos trabalhadores.
Sim, porque depois do que aconteceu no Brasil - e que o governo, então em funções, parece que, tão atento aos problemas concretos, não podia ignorar -, onde milhares de trabalhadores ficaram afectados de tendinite, a multinacional sabia que, em Portugal, iria lesar a saúde de seres humanos.
Mas de uma multinacional que se deslocaliza, procurando sempre melhores condições de exploração de quem trabalha, não admira que se tivesse calado. Não admira que não tivesse corrigido a sua estrutura produtiva porque , para ela, valem mais os cobres que assim poupou do que a saúde dos outros, dos que chama colaboradores. E também não admira que tivesse escondido a doença profissional, enviando os trabalhadores lesionados para a segurança social, como se de doença natural se tratasse.
O que estava, nessa altura, a fazer o PSD, que estava no governo? Nessa altura, o que é que o PSD dizia à inspecção do trabalho?
E também não admira que tivesse tentado fazer passar a ideia de que a situação não era grave e de que todas as denúncias eram manobras dos sindicatos.
Mas há, no entanto, outro escândalo maior, de espantar. O que espanta e revolta é a indiferença com que o Governo trata este grave problema, que grassa noutras empresas, mas que assume maior relevância na Ford Electrónica pelo número de trabalhadores afectados - mais de 500, na maioria jovens, na maioria mulheres.
O anterior governo nada fez - e foi para não ouvir isto que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes saiu do Plenário! Repito, o anterior governo nada fez, é certo, mas desde que o PCP aqui começou a denunciar a gravidade da situação (e tal aconteceu ainda com a anterior Ministra do Emprego, e tal aconteceu por várias vezes, a última das quais no início do corrente ano), o que é que o actual Governo fez para impor à multinacional o respeito pelas normas nacionais e mesmo internacionais, que protegem a saúde dos trabalhadores? Pouco mais que nada! E o pouco que diz ter feito de nada serviu, porque as tendinites continuaram a aumentar, incapacitando gente jovem, cerceando-lhe a sua felicidade, tornando inúteis para as crianças os braços das suas mães.

Até um estudo que o Sr. Ministro da Solidariedade prometeu encomendar, para que, correctamente, se ordenassem as medidas a implementar pela empresa, se foi por água abaixo, não passando de uma promessa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Pergunta-se: por que motivo não se cumpriu a legislação sobre higiene, saúde e segurança no trabalho, que impõe a realização de estudos como o prometido? A quem deve o Ministério a solidariedade que ostenta no nome? Aos trabalhadores ou às multinacionais?
A verdade é que a Ford Electrónica continuou a laborar sem um estremecimento e, depois de despedir as trabalhadoras, se o conseguir fazer, admitirá trabalhadores a prazo, para, eles também, serem lesionados na linha de montagem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - A verdade é que, mais dia menos dia, a Ford demandará outros rumos, incólume, sem ser responsabilizada pela violação de elementares direitos humanos dos trabalhadores.
E pergunta-se ainda: perante a denúncia de que a Ford pretende tratar as tendinites com despedimentos, o que é que o Ministério já fez para pôr cobro a mais uma arbitrariedade? Nada!
Em matéria de sinistralidade laboral, a política deste Governo saldou-se por uma lei de favorecimento das seguradoras, que se viu forçado a apresentar dadas as iniciativas legislativas do PCP, e por gritantes inércias em casos como o da Ford Electrónica.
Sendo revoltante tanta indiferença, a verdade é que não admira que a verdadeira solidariedade esteja praticamente ausente da política laboral deste Governo. Porque o Sr. Primeiro-Ministro procede como se tivesse um compromisso, quase um pacto de sangue, com as grandes centrais patronais, hipotecando-lhes o futuro dos trabalhadores, o futuro do País.
Foi isso que resultou das posições do Ministério para a Qualificação e o Emprego e do Sr. Primeiro-Ministro, relativamente à lei da flexibilidade e polivalência, menorizando a Assembleia da República face a uma dita comissão de acompanhamento criada no âmbito da concertação social, tendo sido instruída a Inspecção-Geral do Trabalho para adoptar a interpretação de que as pequenas pausas destinadas a preservar a saúde dos trabalhadores não são tempo de trabalho.
Na luta porfiada e prolongada que os trabalhadores travaram pela defesa das suas conquistas, o Ministério para a Qualificação e o Emprego foi solidário com o grande patronato, honrando os pactos do Sr. Primeiro-Ministro.
E é isso também que se passa com a aplicação da lei que transpôs a directiva sobre tempo de trabalho.