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5 DE MARÇO DE 1999 2053

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Convém recordar, até porque nos encontramos próximo do dia 8 de Março, e dada a natureza deste debate, que o motivo por que Março foi e continua a ser o mês em que se assinalam as lutas contra as discriminações não pode consentir retratos desfocados.
Convém recordá-lo como dia simbólico que não autoriza pompas nem circunstâncias e, muito menos, cosmétícas. Convirá recordar o dia 8 de Março para que não se esqueça e ressurja a afirmação de que a luta das mulheres se norteou sempre pelo derrube das barreiras criadas e sustentadas em nome das diferenças biológicas. Foram essas diferenças biológicas que deram origem às posições aqui lidas do Professor Fezas Vital e são as diferenças biológicas que estão na base da presente proposta de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E convém recordá-lo para afirmar que um propalado direito à diferença mais não serve senão para justificar discriminações. A criação das categorias em nome da biologia é um tremendo sinal de retrocesso.
Se recordarmos a luta das mulheres, veremos claramente que elas conseguiram quebrar a barreira biológica e afirmar que nenhuma identidade sexual as podia impedir de igual acesso às profissões ditas masculinas.
Se a luta das mulheres derrubou a barreira das diferenças em função da biologia, é errado chamar sexistas às discriminações das mulheres, porque é mais e é menos do que isso, menos porque as mulheres não são vítimas, todas elas, de igual maneira, dessa discriminação; é mais porque a discriminação das mulheres está profundamente ligada às discriminações de classes, de que também são vítimas muitos homens.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A proposta que o Governo nos traz, sob uma aparente capa de modernidade, faz a reconstrução das diferenças biológicas, assenta na reconstrução de categorias sexuadas de cidadãos, cumprindo objectivamente a finalidade de fazer esquecer as profundas desigualdades económicas e sociais que tanto atingem as mulheres.
Enquanto muito se fala da discriminação de género, quer-se construir uma barreira de silêncio sobre os reais problemas das mulheres. A história vai assinalar que, desde que começaram a surgir movimentos ditos paritários, os problemas das mulheres no trabalho, na família, na sociedade, foram relegados para segundo plano, porque tais movimentos assinalaram como importante e definitiva - e hoje já foi assinalada pela Deputada Maria do Rosário Carneiro - a tomada do poder a qualquer preço.
E isto mesmo que esse preço fosse o silêncio sobre as desigualdades salariais, as desigualdades no acesso ao emprego, o trabalho com salário reduzido - o trabalho em part-time, e é isso que está em causa -, a luta contra o aborto clandestino pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
E isto mesmo que o preço seja passar para segundo plano a denúncia de que a grande maioria das mulheres portuguesas se situam entre os 80% dos cidadãos se ficam pelo ensino básico, e nem sempre completo; que a taxa de analfabetismo é preenchida sobretudo pelas mulheres; que, no número dos trabalhadores a auferir o salário mínimo nacional, as mulheres são mais do dobro dos

homens; que elas ganham menos do que os homens, como acontece na União Europeia, em trabalhos iguais; que elas são vítimas de discriminação por estarem grávidas, pois não vêem os seus contratos a prazo renovados quando engravidam e não são abrangidas por aumentos salariais aplicados pelas entidades patronais, quando estas descobrem que vão ter uma trabalhadora em licença de parto.
Enquanto o Governo aqui vem falar da pretensa modernidade de reconstrução de um conceito meramente biológico, há mulheres que sofrem em linhas de montagem, vendo a sua saúde desaparecer, ainda na sua juventude, perante a inércia do Governo, que não cumpre o dever de garantir às trabalhadoras das empresas do sector eléctrico, nomeadamente às da Ford Electrónica - o caso mais gritante de cumplicidade do Governo com o poder económico no desprezo com a saúde de quem trabalha -, que não cumpre o dever de garantir a saúde no trabalho.

Vozes do PCP: = Muito bem!

A Oradora: - Não, Srs. Membros do Governo, o debate de hoje não é sobre a modernidade - que não o é - da discriminação de género, mas é, e continuará a ser, sobre as gritantes exclusões de mulheres que fazem dó trabalho uma arma para a conquista da cidadania, para romper o gueto da barreira biológica, para afirmar a recusa de um conceito meramente biológico de discriminação do sexo feminino.
Não, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o primeiro princípio de toda a emancipação é a recusa de classificar os seres humanos segundo distinções naturais - princípio afirmado no artigo 13.º da nossa Constituição.
E se outro artigo da Constituição acentua a necessidade de promover a igualdade entre homens e mulheres e se o artigo 109.º fala da promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, o texto constitucional, no seu conjunto, não autoriza que uma lei venha impor a divisão dos portugueses em duas categorias meramente fundadas na biologia, porque essa não é forma de promover a igualdade dos cidadãos, individualmente considerados, que não se diluem na dicotomia mulheres/homens:

Aplausos do PCP.

A proposta de lei não quer saber da igualdade de oportunidades para as mulheres que são vítimas de graves discriminações. Limitadas na sua participação na vida política quotidiana, sabem que estas quotas se destinam a resolver um problema do Partido Socialista. Este é um problema das mulheres socialistas, que julgam merecer - e seguramente merecerão - um melhor lugar nas listas deste partido, o que não têm conseguido.
Mas a luta é feita da recusa às «migalhas do banquete».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, tanto no quadro constitucional como no quadro da realidade em que vivemos, o da política demissionista do Governo no combate a todas as discriminações, não se compadece, nem é constitucionalmente admissível, com um conceito meramente biológico de mulher. E isso resulta, desde logo, do artigo 13.º da Constituição.