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5 DE MARÇO DE 1999 2061

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É um imperativo para o Governo, pela Constituição e pelo seu Programa, mas também um imperativo ético e um dever perante as mulheres deste país enfrentar o problema da subrepresentação do sexo feminino nos órgãos políticos.
As experiências dos países de que nos sentimos, mais próximos apontam inequivocamente para a instauração formal de metas quantitativas para os dois sexos nas eleições.
Fizemos a proposta, conscientes de que teríamos de enfrentar muitos conservadórismos, muitos arcaísmos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Não nos enganámos
No próprio momento em que o Governo fez essa proposta houve imediatamente quem apostasse na menorização e na ridicularização do debate e das medidas apresentadas. Não faltou quem vaticinasse o seu insucesso imediato.
Manifestamente, o debate não tem decorrido como esses profetas do ridículo gostariam, porque, pela primeira vez entre nós, o tema mobilizou o Governo, a sociedade civil e os partidos e o debate assumiu o tom sério que, inevitavelmente, tem nas sociedades adultas.
Pena é que, apesar disso, esse debate continue a ser perturbado por argumentos inaceitáveis e, às vezes, até deselegantes, como alguns que hoje aqui foram invocados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se das filhas das quotas; alega-se que as quotas são o atestado de menoridade das mulheres; insinua-se que as mulheres não as querem, até porque não sentem interesse ou vocação para a política; sustenta-se que implicam uma humilhação. Estou em total e profundo desacordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque o que é verdadeiramente humilhante é a situação actual.
Porque o que é verdadeiramente humilhante para as mulheres que querem fazer política - e nada, nem ninguém, prova que não o queiram - é sentirem que, apesar de já terem demonstrado a sua competência e o seu mérito em todos os sectores da vida social, intelectual e profissional, esse mérito e essa competência continuam a ser objecto de suspeição no clube restrito da política.
Porque é isso e só isso que sucede todos os dias e sempre que se fazem listas para eleições dentro e fora dos partidos: as mulheres são sistematicamente afastadas ou remetidas para lugares inelegíveis.
Desconfia-se da sua competência; põe-se em causa a sua militância; desvaloriza-se a sua capacidade de captar a confiança do eleitorado. Ninguém pode negar que nos partidos funciona um persistente e implícito esquema de julgamento preconceituoso da capacidade política das mulheres.

Estas conclusões tornam este debate incómodo, porque elas nos conduzem imperceptivelmente para a fronteira do politicamente incorrecto.
Na verdade, este debate obríga-nos a reconhecer que alguns dos pais espirituais das democracias modernas estiveram errados; forçanos a reconhecer que a nossa democracia não é perfeita; obriga-nos a admitir que os grandes sustentáculos do sistema político - os partidos erguem barreiras à real participação política de metade dos cidadãos, excluindo-os de parte importante do jogo democrático; obriga-nos a interrogar as noções de igualdade e de cidadania que herdámos dos nossos antepassados e que ainda não adaptámos ao tempo em que vivemos, onde a discriminação em função do sexo se tornou, felizmente, intolerável.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, mesmo que politicamente incómodo, é um debate que não podíamos, nem podemos, continuar a adiar.
E, suceda o que suceder à proposta do Governo, este tema não vai sair da agenda política. É um compromisso que assumo aqui.

Aplausos do PS.

Desiludam-se, pois, Sr.ªs e Srs. Deputados dos partidos da oposição: nós não vamos desistir!
Porque não poderemos deixar de adoptar medidas de acção positiva para resolver o problema da sub-representação feminina, mesmo sabendo que comportam riscos e merecem reservas sob vários pontos de vista.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O primeiro objectivo do Governo era lançar o debate sobre quais as medidas de acção positiva que deverão ser tomadas. Infelizmente, o debate sobre a proposta de lei do Governo não revelou nenhuma alternativa viável e eficaz a essa proposta.
Surgiram, é certo, compromissos dos líderes dos partidos da oposição. Todos garantem, agora, que promoverão a autoregulação, de modo a que as mulheres dos respectivos partidos tenham mais oportunidades, mesmo qué , a lei não os obrigue a isso.
É de aplaudir essa intenção, obviamente, apesar da névoa de mistério que a envolve, permitam-me que o diga, uma vez que ninguém parece saber como se concretizará tal intenção.
Mas não podemos ter ilusões sobre a sua eficácia. Quem alimentar ilusões sobre isso ou é ingénuo ou é ignorante.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância pensar que, apesar de não se conhecer nenhum país do sul da Europa - eu diria mais: nenhum país onde prevaleça uma ética não protestante - onde o modelo de auto-regulação partidária tenha funcionado, ele pode funcionar em Portugal.
Esse modelo não funcionou na França, na Itália, na Bélgica, na Grécia, no Brasil e na Argentina, para mencionar apenas alguns daqueles países onde o tema é objecto de debate actual.
E mesmo nos sítios onde a auto-regulação partidária funcionou isso aconteceu por uma conjugação de factores de que manifestamente não beneficiamos.
Primeiro, a existência de quotas internas formais nos partidos, e que não devemos ignorar.
Segundo, uma ética de responsabilidade menos individualista do que é prevalecente entre nós.