O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

I SÉRIE-NÚMERO 55 2062

Terceiro, sufrágio universal implantado há muitas décadas, em alguns casos desde o início deste século.
Quarto, um Estado-providência muito mais profundo do que o nosso.
Quinto, um estatuto social feminino de igualdade muito mais enraizado, quer ao nível real, quer ao nível simbólico.
É o que sucede na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, na Finlândia, etc.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância pensar que o País que tinha na União Nacional, no dia 24 de Abril de 1974, uma percentagem de mulheres de cerca de 6,8% e onde 25 anos de democracia geraram apenas cerca de 6% mais de representantes femininas no Parlamento mudará de um dia para o outro, apenas por obra e graça de um apressado compromisso de líderes partidários, mais ou menos transitórios.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância acreditar que, em países como o nosso, os partidos podem ser a alavanca mais adequada para a paridade.
Espanta que quem acredita nessa capacidade de liderança dos partidos. não se sinta tocado pelo facto de os estudos mais recentes demonstrarem que, em Portugal, é mais fácil a uma mulher ser Deputada do que dirigente nacional de um partido. E nós conhecemos o número diminuto de Deputadas que existem.
Mais: surpreende que não fiquem abalados pela demonstração de que, embora seja difícil às mulheres chegarem aos órgãos nacionais dos partidos, lhes é ainda mais penoso serem escolhidas para os órgãos básicos dos partidos, os órgãos das estruturas locais.
Permitam que o diga, esta Assembleia não deveria correr o risco de passar por ingénua ou ignorante.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Oh! O que é isto?!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, para além disso, esta Assembleia não pode ser agente activa da sub-reptícia perversão das próprias bases em que o Estado de direito e as sociedades modernas se baseiam.
É isso que está, justamente, em causa quando se propõe que, em vez da lei, se tome como bom um mero compromisso de líderes partidários.
Quem faz essa proposta que destino dá à ideia da lei como expressão mais formal, mais digna, mais perene, mais segura, mais democrática e mais transparente da vontade-geral?
Aqueles que sustentam que, para resolver o problema da participação feminina em órgãos constitucionais e europeus basta uma fórmula recuada de auto-regulação partidária, como é o compromisso público dos líderes actuais dos partidos, não estão a recusar à lei o papel que o Estado moderno lhe entregou sem reserva?
Mais uma pergunta: o modelo de sociedade que prescinde da lei ou que a considera superabundante e aceita, sem pestanejar, a sua troca pelo compromisso informal dos chefes, não é o modelo de sociedade que o Estado moderno subjugou?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - E se os Srs. Deputados da oposição acham natural essa inutilização ou essa desgraduação da lei como instrumento de regulação social, então o que estão aqui a fazer, nesta Assembleia, órgão legislativo, por excelência?

Finalmente, este modelo que nos propõem não é o-modelo que sacrifica o conceito de direitos e prefere a esmola ou o privilégio arbitrário que o Estado moderno enterrou e contra o qual se fizeram revoluções?
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A rejeição desta proposta do Governo, se ocorrer, tem pelo menos quatro implicações que não escaparão aos cidadãos em geral e às mulheres em particular.
Primeiro, fica mais uma vez patente a capacidade de alguns para se negarem.
Não foi Leonor Beleza que disse «as quotas informais sempre estiveram nos partidos políticos, são praticadas por partidos políticos, mas ainda não houve força para que essas quotas informais também sejam praticadas em relação às mulheres»?

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - E não foi Marcelo Rebelo de Sousa que disse «está a demorar a chegar à política o relevo do papel da mulher, que já começa a existir ou já existe francamente noutros sectores da vida social. Há qualquer coisa de errado no sistema político, há qualquer coisa de errado na vida dos partidos políticos, há qualquer coisa de errado no funcionamento das instituições»? E continuava: «a meu ver, e na óptica do PSD, isto não se relaciona necessariamente com uma posição sistemática dos políticos homens portugueses contra a participação das mulheres, mas tem a ver com uma realidade que é a inércia no funcionamento do sistema e das instituições. Quem está luta pela sua permanência, pela sua sobrevivência e nessa base, porque aquilo que está é uma certa realidade, e essa realidade não facilita normalmente a mudança para o futuro».
Mas onde nos conduz isto senão à proposta de lei que o Governo faz aqui hoje?
Segundo, o gritante contraste entre os partidos da oposição e o partido que suporta o Governo. Contraste de ambição, mas também contraste no que toca à capacidade de mudar e à capacidade de enfrentar barreiras antigas, arcaísmos, símbolos e valores, em nome de princípios renovados.
António Guterres não hesitou em conduzir o seu parti
do a cumprir as quotas ...

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

... e em propor a esta Assembleia que isso ficasse consagrado na lei, com sanções, doa a quem doer.
Os líderes da oposição parecem não ter confiança ou força suficiente para convidarem os seus partidos a fazer o mesmo.
Terceiro; o padrão de irracionalidade do comportamento de alguns partidos da oposição. Para eles a política é o campo privilegiado da incongruência.
É isso que leva a que aqueles mesmos que há uns meses se encarniçavam a bramar que o Governo não tem autoridade e não governa, digam hoje que o Governo caminha para o autoritarismo e para o governo absoluto.
É isso que explica que os mesmos que clamam, dia sim dia não, por reformas, ocupem o melhor do seu tempo a inviabilizar as que o Governo procura fazer.
É isso mesmo que justifica que os que votaram a revisão constitucional, considerando-a uma grande vitória sua,