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3064 I SÉRIE - NÚMERO 85

E, portanto, por isto mesmo que se defende não haver contradição essencial entre o texto do Tratado de Washington e o actual Conceito Estratégico da NATO. Soube agora que o Governo também parece pensar assim.
Não há, neste entendimento, um novo Tratado, não há alteração nem ao seu texto, nem ao empenhamento político que ele encerra, há uma alteração do conceito estratégico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se, agora, nele de um espaço euro--atlântico e não no espaço que se confina ao dos países da NATO.
E parece falar-se bem, porque a realidade aqui também mudou. Hoje há um grande conjunto de países que solicitam a sua adesão à NATO; hoje há um Acto Fundador entre a Rússia e a Aliança; hoje há um especial acordo formalizado com a Ucrânia; hoje há um intenso diálogo mediterrânico; hoje há uma ampla Organização de Segurança e Cooperação na Europa; há, finalmente, uma acção concertada e abrangente do que se designa por Parceria Para a Paz e há, principalmente a noção de que este espaço euro-atlântico está interligado em relação à segurança colectiva e se não pode, nem deve, abandonar à mercê das crises que provocam ofensa dos direitos humanos e problemas colaterais nos demais países.
Foi sempre assim? Não, nem sempre, infelizmente, foi assim.
A Europa assistiu a invasões e a agressões, ao espezinhamento da liberdade e a perseguições étnicas.
A Europa, como o Mundo, assistiu impotente e impávida àquilo que sempre deveria ser condenado e poucas vezes pôde ser evitado. Em grande medida porque a NATO estava prisioneira de um conceito de segurança passiva que se traduzia no princípio da defesa avançada contra uma ameaça nuclear e contra um conjunto de países reunidos num pacto militar, mas também porque o equilíbrio mundial se baseava num princípio que acentuava o imobilismo.
A NATO oferecia um «guarda-chuva» aos seus Estados membros, mas permitia que tudo acontecesse noutros espaços e ali mesmo na vizinhança da sua componente europeia.
Alain Mine salienta que o imobilismo tinha, então, vários pontos de ancoragem nos quais se justificava: primeiro, pela doutrina da não intervenção nos assuntos internos de um Estado, nada poderia melhorar o conforto moral das democracias do que encontrar um alibi à sua capacidade de agir em função do risco de conflito com a União Soviética; depois pela afirmação do princípio da intangibilidade das fronteiras e da sua persistência como princípio orientador do equilíbrio mundial, desde que a comunidade permanecesse surda às reivindicações das minorias; finalmente, porque, cabendo à ONU o monopólio da polícia do mundo, o jogo dos vetos entre membros permanentes do Conselho de Segurança assegurava a impotência.
Era natural e normal uma linguagem de transigência e demissão. A guerra-fria e os seus disfarces têm as costas largas quanto à manutenção desta situação.
Mas a verdade é que, nesse tempo, as Nações Unidas acumularam uma longa história de abstenção na tutela dos valores democráticos. Desde que um Estado fosse por eles reconhecido era, independentemente do seu regime, rei e senhor para agir à vontade no interior das suas fronteiras.
Foi esse statu quo que muitos passaram a questionar, porque insustentável num mundo que possui uma consciência crescente do valor dos direitos humanos e da democracia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Face a isto, o direito da ingerência não podia deixar de ser reconhecido. E não se pense que quem o defende são apenas os falcões ou os amigos da violência; são as próprias organizações humanitárias europeias que o reclamam em relação aos assuntos internos de países em guerra civil ou desagregação territorial, para fazer respeitar os direitos humanos das populações minoritárias, ou dos mutilados de guerra, ou dos refugiados.
Foi o modelo de intervenção das Nações Unidas que provocou esta evolução, delicada e perigosa é certo, mas compreensível como reacção perante o que vem acontecendo no mundo. O que tem acontecido é apenas a realização de operações de manutenção da paz ou acções de polícia internacional.
O facto é que o mecanismo de decisão da ONU se mostra incapaz de assegurar a resposta adequada a dar no capítulo da gestão de crises e no que concerne à tentativa de evitar ou pôr fim a situações de agressão ou desrespeito pelos direitos humanos ou, concretamente, pelas perseguições étnicas.
O caso do Ruanda é, porventura, o mais paradigmático pelo que significou de incapacidade da ONU para evitar movimentos gigantescos de refugiados e cerca de um milhão de mortos.
A regra geral observada é esta: desde que a crise surge até à sua hipotética resolução, o sentimento que se instala é, frequentemente, de impotência e de incapacidade da comunidade internacional para suster os seus trágicos efeitos.
Esgotam-se e renovam-se os esforços diplomáticos, estabelecem-se embargos e assiste-se à sua violação, perde-se um tempo indesculpável a tentar obter consenso para formar os contingentes de intervenção.
Sente-se que os agressores acabam sempre por beneficiar da vantagem que o próprio sistema lhes confere. E há, ou tende a haver, uma impunidade relativa. Por outras palavras, cresce o benefício do infractor.
Agressões ou desrespeito dos direitos humanos de dimensão igual acabam por ter tratamento diverso. O facto de se estar nas boas graças de um dos titulares do direito de veto do Conselho de Segurança é condição bastante para o país em causa se livrar de dificuldades.
Ora, o genocídio não o é menos por ser praticado num local ou noutro, por ser praticado contra um povo ou outro, por ser este ou aquele, ou diferente o seu autor!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A garantia do exercício pleno dos direitos humanos é um valor em si mesmo, cuja defesa exige actuação igual para questões de substância igual.
Escrevia Eduardo Lourenço: «O horror de Auschwitz (...) não só tem genealogia sem hiatos desde Sargão até à solução final e ao Gulag, como uma posteridade banalizada em todos os Biafras, Angolas, Ugandas e Jugoslávias». Pelo meio, deveríamos acrescentar Timor. Na ausência de