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1163 | I Série - Número 29 | 14 de Dezembro de 2000

 

ter ali ficado casualmente postas umas contra outras pelo revolucionar aquoso de algum dilúvio», é, assim, assegurar a subsistência de um testemunho insubstituível, para que as gerações futuras compreendam o seu e o nosso tempo; não o fazer é permitir a dissipação desse tesouro, acumulado ao longo de gerações.
Pretende-se, assim, através do presente projecto de lei, dotar as autarquias locais dos mecanismos legais adequados para impedir a destruição deste património cultural, histórico, ambiental e rural.
Alicerçamos este nosso projecto de lei nas novas perspectivas da noção de património, que evoluiu de uma perspectiva erudita para uma mais geral, através da integração progressiva de elementos da cultura popular, que possibilitou igualmente que se evoluísse de um património essencialmente urbano para o património rural e da articulação entre o património construído e o natural e humanizado.
Se, como já ouvi, e acompanho essa definição, o património construído é o rosto humano da paisagem e se a última coisa a perder-se em todos os sistemas é a estrutura, também na paisagem de muitas das regiões deste nosso país as construções em pedra, nomeadamente os muros de divisão das propriedades, são elementos essenciais. A pedra é, de facto, um dos materiais mais perduráveis do nosso património. Ela está presente nas habitações, nas construções agrícolas, nos socalcos, nos muros, em tudo o que, pela sua durabilidade, atesta a história dessas nossas regiões.
Estas construções têm, muitas delas, vários séculos, outras serão obra de tempos bem mais próximos. São, todas elas, símbolos de épocas diferentes, mas que atestam a divisão da propriedade, o exacerbado individualismo, a luta por um palmo dessa terra, até pela própria propriedade desse muro de demarcação. Quanto suor, mas também quanto sangue, escurece a pedra de tantos desses muros! Mais baixos ou mais altos, sejam da Casa de Romarigães ou dos muros dos Esteves que despertaram as ambições de tantos Manuéis da Bouça que emigraram na mira de os ter como seus, são testemunhas vivas de tantas e tantas disputas, mas também de tanto esforço de pessoas e animais a que só a força, mesmo que anímica, do homem deu forma e sentido.
Os muros de demarcação são depositários de séculos de história da divisão da propriedade em característicos minifúndios que fazem parte integrante da paisagem do interior norte e centro.
O projecto de lei, ao impor o prévio licenciamento municipal às demolições ou qualquer tipo de alterações nas construções em pedra em que se tenham utilizado técnicas ancestrais de construção, pretende, assim, dotar as câmaras municipais dos meios que lhes possibilitarão avaliar das razões dessa demolição.
Possibilita-se, assim, a estes órgãos autárquicos indeferirem tais actos com fundamento em interesses históricos, culturais e ambientais e a consideração de que essas construções e edificações são elementos essenciais a preservar na respectiva paisagem. Introduz-se, pois, um novo elemento valorativo e um conceito que tem a ver com a preservação da paisagem.
Acrescenta-se e pormenoriza-se o conceito de empreendimentos que se pretendem preservar, expressando-se a ressalva dos imóveis já classificados ou em vias de classificação, que, como é óbvio, são já objecto de medidas específicas e especiais de protecção.
O regime sancionatório procura evitar que se enverede pela via do facto consumado, tão frequente em termos de incumprimento dos regimes legais que enquadram os licenciamentos municipais, sancionando o proprietário infractor e obrigando-o a repor a situação preexistente. Atribui-se às câmaras municipais o direito de apreenderem os materiais retirados, mesmo que já em trânsito, que reverterão a seu favor, para ordenar que o dono da obra, às suas expensas, os reponha no local onde estavam, sob pena de, se este o não fizer, a câmara tomar posse administrativa da obra ou do terreno, procedendo à reconstituição da situação preexistente. Neste caso, o infractor reembolsará a câmara municipal pelos encargos decorrentes da execução dos trabalhos. Estas situações não afastam, como é óbvio, a aplicação de coimas a fixar, nos termos dos normativos legais em vigor, pelo presidente da câmara municipal.
Também aos autores materiais ou proprietários dos equipamentos utilizados nas obras em contravenção se impõe a obrigação de, antes de se proporem executar os actos abrangidos por este projecto de lei, se assegurarem de que os mesmos estão devidamente licenciados.
A não adopção dos normativos que protegem o património cultural em geral, para disciplinar os actos abrangidos por este projecto, prende-se tão-só com a necessidade de agilizar soluções legislativas adequadas à gestão e ordenamento deste património, as quais, no entanto, poderão ceder perante interesses como os da construção de edifícios ou de uma melhor exploração de prédios rústicos, agora na posse do mesmo proprietário, que torna desnecessários os muros de demarcação entre eles.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A terminar, quero manifestar a nossa total abertura para introduzir as alterações que tenham em vista melhorar a eficácia deste projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de uma leitura atenta do projecto de lei n.º 312/VIII, que estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra, e de alguma reflexão devo confessar que não resisti a lembrar-me do velho ditado popular, que nos diz que «de boas intenções está o inferno cheio»! E, na verdade, as «boas intenções» aqui manifestadas, quer no preâmbulo, quer em algumas das medidas preconizadas, não escondem alguma debilidade quanto à sua aplicação e até à técnica jurídica utilizada. E passo a enunciar algumas dessas medidas, não sem antes fazer referência ao facto de estar para agendamento, nesta Assembleia, a discussão da proposta de lei relativa ao património cultural, que deveria ser a sede adequada para se discutir este e outros problemas.
Não quero negar a premência da situação, que o Sr. Deputado Victor Moura teve, aliás, o cuidado de enunciar, mas também devo chamar a atenção, já que não compreendo muito bem o que se passa, para o facto de, continuando por agendar a discussão da lei do património cultural, apesar de haver uma grande urgência na sua discussão, se proceder à discussão de uma iniciativa pontual, casuística, que apenas abrange, relativamente ao patri