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1733 | I Série - Número 43 | 01 de Fevereiro de 2001

 

É o caso presente, em que estamos confrontados com a necessidade de adequação da jurisprudência, no seio do seu próprio terreno. Trata-se do Estatuto da Ordem dos Advogados, cuja regulamentação data de 1984, e, portanto, está naturalmente desactualizada em várias vertentes, quer no aspecto adjectivo, quer no substantivo.
A proposta de lei em análise visa, efectivamente, corrigir as inadequações do Estatuto da Ordem dos Advogados à realidade presente, designadamente quanto à discussão pública de questões profissionais, à acção disciplinar e ao exercício da advocacia por advogados provenientes de Estados-membros da União Europeia.
Relativamente à discussão pública de questões profissionais, na actual legislação, mesmo quando se impõe a necessidade de uma explicação pública, por parte do advogado, esta depende do acordo do conselho distrital que estipula os precisos termos autorizados. Ora, o esbatimento conceptual das fronteiras entre o espaço privado e o espaço público, que se observa na modernidade, a intervenção e o crescente protagonismo dos media têm imposto uma prática de discussão pública, no interesse do próprio constituinte, já reclamada pela generalidade da classe nos últimos anos. A alteração agora proposta confere licitude a esta prática que se vem observando, com manifesta violação do disposto no artigo 82.º, n.º 1, do actual Estatuto. Confere, também, maior liberdade ao advogado, deixando ao seu critério responsável a decisão de intervir publicamente em casos de urgência e circunstanciais, o que previne a banalização destas práticas. Faz, portanto, mais sentido.
No âmbito da acção disciplinar, parece-nos que a proposta regulamenta, por forma mais completa, os procedimentos disciplinares, colmatando várias lacunas no actual Estatuto.
No aspecto substantivo do ilícito disciplinar surge uma pena nova mais gravosa do que as existentes. Assim, enquanto a pena mais grave do Estatuto actual é a suspensão até 15 anos, propõe-se agora a pena de expulsão. Pensamos que tal se justifica face ao processo de massificação da profissão, no qual têm vindo a inscrever-se alguns problemas de desprestígio social, provocados por actuações e procedimentos graves, por parte de alguns profissionais, o que se projecta no bom nome da classe. Daí que uma pena mais gravosa possa constituir um factor de moralização, porque reprime, com a severidade adequada e necessária, alguns excessos verificados que são do domínio público.
Já quanto à definição do ilícito disciplinar, manifestamos as maiores reservas pela proposta de alteração ao texto do artigo 91.º, segundo a qual passaria a constituir infracção disciplinar a acção ou omissão culposa dos deveres decorrentes do Estatuto. A supressão da palavra «dolosa», neste texto, afigura-se-nos carecer de sentido.
No mesmo sentido de defesa do bom nome da classe, é meritória a criação dos conselhos de deontologia como um órgão autónomo e inteiramente dedicado aos problemas de ética da advocacia. Para eles passa competência disciplinar em primeira instância, sendo-lhes também cometida a atribuição de velar pelo cumprimento das normas de deontologia profissional, assumindo, assim, um vector de fiscalização do cumprimento das regras éticas por que devem reger-se os advogados. Dada a natureza jurisdicional destes novos concelhos, é de acolher a sua eleição pelo método de Hondt, pois ele permite que a sua composição reflicta a representatividade das diferentes sensibilidades da classe.
Quanto à terceira grande vertente de inovação, relativa ao reconhecimento do título profissional a advogados provenientes de Estados-membros da União Europeia, tal decorre da lógica da adesão de Portugal e dos respectivos tratados firmados.
Em síntese, a proposta de lei n.º 55/VIII, que favorece o Estatuto da Ordem dos Advogados, parece-nos positiva, porque reconhecemos nela a intencionalidade e a objectividade de adequação à mudança social, num sentido de dignificação da classe dos advogados.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sem coerência!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, peço ao Sr. Presidente e aos meus colegas que não me levem a mal por começar por fazer uma declaração, por assim dizer, para cumprir, aliás, o Regimento da Assembleia, e declarar que sou eu próprio advogado e que, portanto, estou a intervir numa causa em que, de forma directa ou indirecta, tenho algum interesse. Sendo certo que também estou a intervir a propósito de uma proposta de lei, agora apresentada pelo Governo, que, aparentemente, também não suscita da Câmara grandes reservas, nem um debate aceso, do ponto de vista político, como se poderia esperar, em matérias relacionadas com a justiça. E não o suscita porque, como também já foi salientado pelo Sr. Deputado relator, o Sr. Deputado Guilherme Silva, esta proposta de lei - que não é da inteira responsabilidade do Governo, no sentido de que foi feita sobre proposta da Ordem dos Advogados, partilhando a própria Ordem, de alguma forma, da responsabilidade do seu conteúdo - não visa fazer uma revisão global e profunda do Estatuto dos Advogados. Trata-se não só de uma revisão do Estatuto enquanto corporação mas também na sua relação com a justiça e com os tribunais - questão, aliás, já incidentalmente suscitada nesta sessão -, visando sobretudo resolver alguns problemas concretos, designadamente o problema mais premente, que é o da transposição da directiva comunitária sobre liberdade de estabelecimento dos advogados nos países da União Europeia. Por esta razão, esta proposta incide, fundamentalmente, por um lado, sobre matéria disciplinar e, por outro, sobre matéria da liberdade de estabelecimento.
Não é, pois, por acaso que são poucas as incursões que a proposta de lei faz sobre matéria que tem que ver com o estatuto do advogado, isto é, com a definição daquilo que são os actos próprios da profissão, com a definição das relações entre o advogado e os demais operadores da justiça, designadamente os tribunais. Estas são as matérias que suscitam um pouco mais de polémica, nomeadamente a que foi referida pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, a propósito da discussão pública de questões profissionais e, designadamente, do relacionamento dos advogados com os tribunais.