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1999 | I Série - Número 49 | 15 de Fevereiro de 2001

 

protecção das uniões de facto, homo ou heterossexual, quem quiser. Ficou claro nesta Câmara que ninguém é obrigado a ter uma protecção que não deseje e se as pessoas desejam uma protecção elas assumem, com toda a naturalidade, os mecanismos da mesma. E, muito francamente, Sr.ª Deputada, não vejo por que é que os homossexuais têm de ter vergonha de assumir a sua sexualidade, o seu afecto e têm de ter uma relação que carece de protecção.
Portanto, trata-se de dois aspectos distintos, e julgo que misturar o que não é misturável só pode ajudar a não conduzir a nada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: «O amor que não ousa dizer o nome», Sr.as e Srs. Deputados, «o amor que não ousa dizer o nome», eis o que Oscar Wilde defendeu no processo que, em 1895, o condenou a dois anos de prisão por acusação de homossexualidade.
«O amor que não ousa dizer o nome», eis o que defendia uma petição lançada em 1897, reeditada e subscrita por 5000 personalidades de todo o mundo.
Pelo «amor que não ousa dizer o nome» assinaram, entre outros, Hermann Hess, Thomas Mann, Rainer Maria Rilke, Stefan Zweig, Leon Tolstoi, Emile Zola e Einstein.
Pois bem, hoje esse amor ousa dizer o nome; e, hoje, esse amor que ousa dizer o nome é o que está aqui fundamentalmente em discussão. Como se o amor se pudesse discutir, Sr.as e Srs. Deputados!
Estamos, pois, perante um paradoxo: discutir, para autorizar ou interditar o que sai fora do alcance desta ou de qualquer outra Assembleia, a liberdade de amar de cada indivíduo. A única forma de resolver o paradoxo é reconhecer esta liberdade como direito humano inalienável e, neste sentido, legislar.
Três dos projectos de lei em discussão, o de Os Verdes, o do PCP e o do BE, reconhecem a todos os cidadãos, independentemente da sua orientação sexual, os direitos inerentes a uma relação a dois. Ampliam os direitos consagrados na actual Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Relativamente ao nosso projecto de lei, a pessoa que viva em união de facto é equiparada a cônjuge para efeitos de acompanhamento na doença em estabelecimento hospitalar, para análise do pedido de reagrupamento familiar, para extensão do direito de asilo político e na assistência a crianças a cargo.
Os três projectos de lei alteram a actual legislação, no que ela contém de profundamente discriminatório, por considerar a união de facto apenas entre heterossexuais.
Este carácter profundamente discriminatório constitui um atropelo ao texto constitucional e a todas as recomendações da União Europeia às quais Portugal, enquanto Estado-membro, está vinculado.
Na realidade, para já não falar dos artigos 23.º e 36.º, o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa reconhece a todos o direito à identidade pessoal, consagrando assim o direito à diferença.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Em 1985, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adoptou a Recomendação n.º 924, condenando toda discriminação legal e social contra a população homossexual. Em 1994, o Parlamento Europeu votou favoravelmente a resolução pela igualdade de direitos para homossexuais e lésbicas da Comunidade Europeia, resolução esta que reiterou em 1996 e em 1997. Em 1995, a Assembleia Parlamentar do Conselho de Segurança e Cooperação na Europa adoptou uma resolução em que apela a todos os Estados-membros para a igualdade nas suas constituições, legislações e administração, de modo a terminar com qualquer discriminação explícita, ou implícita, com base na etnia, raça, cor, língua, religião, sexo, orientação sexual, origem social ou nacional, ou pertença a uma minoria. Em 1997, a Comissão Europeia dos Direitos Humanos deliberou que uma idade de consentimento diferenciada para homos e heterossexuais constitui uma violação clara dos direitos humanos. Acresce que Portugal é signatário e este Parlamento ratificou o Tratado de Amesterdão que, no seu artigo 13.º, recomenda aos Estados-membros que criem legislação no sentido de eliminar toda e qualquer discriminação «(…) em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, (…), idade ou orientação sexual».
Três dos projectos de lei em discussão visam, pois, concretizar o que se inscreve no espírito da Constituição e no enquadramento jurídico da União Europeia. O quarto projecto de lei, do PS, abrange outra realidade social em desenvolvimento no nosso país, até em consequência da agudização das condições de vida. Esta realidade é a da economia comum e é neste sentido e apenas neste sentido que deve ser considerado o projecto de lei da bancada socialista, porque, realmente, não diz respeito às uniões de facto, não reconhece o direito às uniões de facto homossexuais. Aliás, como o projecto de lei afirma no seu artigo 1, n.º 2, e passo a citar: «Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto». Ou seja, a aprovação do projecto de lei, do PS, aqui apresentado, não conduziria à revogação da actual lei sobre uniões de facto, que apenas contempla os heterossexuais.
Pretende, no entanto, o PS que o seu projecto de lei dê guarida às uniões de facto de homossexuais. Mas o que é uma união de facto, Sr.as e Srs. Deputados? É uma partilha de despesas e de receitas? É a união de facto uma contabilidade a dois?
Sr.as e Srs. Deputados: Hoje em dia, já são muitas as uniões que são alicerçadas nos sentimentos e, não, nos interesses patrimoniais, não em negócios familiares, empresariais, aos quais as jovens e os jovens eram sacrificados. Hoje, como conquista dos direitos humanos, como consequência do processo de democratização, é a afectividade o fundamento das uniões, é o amor, mesmo aquele que só hoje ousa dizer o nome.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O Partido Socialista acobardou-se, perante os que defendem a instituição contra o indivíduo, o formal contra a autonomia pessoal, e, envergonhadamente, condescende com a união de facto