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2002 | I Série - Número 49 | 15 de Fevereiro de 2001

 

Ao apresentarmos, hoje, o projecto de lei n.º 105/VIII, que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum, estamos a dar um passo em frente na consolidação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa: «Todos os cidadãos são iguais perante a lei e têm a mesma dignidade social». Este princípio basilar recebeu acolhimento nos principais instrumentos internacionais, designadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e também a União Europeia tem promovido um trabalho intenso neste domínio, constituindo o artigo 6.° do Tratado de Amsterdão um avanço considerável no domínio da igualdade. A não discriminação em função da orientação sexual torna-se, assim, um princípio estruturante da actuação da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto em apreciação pretende tão-só conferir protecção legal a um conjunto de relações interpessoais, com «absoluta irrelevância da orientação sexual», distinguindo-se, assim, do regime aplicável às uniões de facto. Nestes termos, os traços objectivos «identitários» da vida em comum serão condição suficiente para facultar às pessoas interessadas a fruição de direitos que a situação justifica.
Estabelece-se um regime jurídico específico da protecção de duas pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos, determinando-se a situação em que duas pessoas vivam em comunhão de mesa e habitação, de forma pública e notória.
Reitero aqui que este é um projecto que consagra: em primeiro lugar, o direito à privacidade e à igualdade, neutro em relação às orientações sexuais de cada um, abstendo-se de se imiscuir na esfera privada mas, antes, respeitando-a; em segundo lugar, a solidariedade para com os que mais necessitam de apoio da sociedade perante a perspectiva da solidão; e, em terceiro lugar, a igualdade de oportunidades que deve ter expressão legal e ser cumprida, dando corpo ao imperativo da dignidade social e à liberdade individual.
Cria-se um novo regime legal que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum. O conceito de «economia comum» abarca, Srs. Deputados, diversas tipologias de organização das pessoas. É uma lei indiferente à orientação sexual, que nada pergunta sobre convicções e opções íntimas e que se basta com indicadores objectivos justificadores de um tratamento conjunto de situações de partilha de vida.
Importa, portanto, saber se esta é uma questão de consciência, ou seja, se para conceder a protecção social às pessoas deverá exigir-se-lhes a prévia e pública apresentação do bilhete de identidade sexual, fazendo depender disso o ter toda ou nenhuma protecção jurídica. É este limiar de ingerência que não queremos ultrapassar.
Na solução do PS, ninguém fica impedido de declarar o afecto, querendo-o, mas ninguém é obrigado a fazê-lo, como a única forma de se proteger contra a carência económica ou em caso de acidente.
Por outro lado, Srs. Deputados, é preciso que fique bem claro que ninguém tem mandato aqui, nesta Assembleia, para dizer qual a vontade das comunidades interessadas para anatomizar o nosso projecto, porque não há um pensamento único nestas mesmas comunidades, que são, elas próprias, plurais e com várias orientações. Nunca esqueçamos que haverá sempre casais que se recusam a contratualizar o afecto e não pedem para si uma lei especial.
Por nós, defendemos a necessária reorientação do debate que tem estado centrado nas uniões de facto, cuja aplicação faz condicionar a obtenção de benefícios à pública assunção da orientação sexual dos titulares do direito.
A situação dos casais homossexuais é, para nós, de extrema relevância, porquanto não podemos aceitar a intolerância e discriminação que, muitas vezes, se sente. Porém, não é, para nós, de menor grau de exigência a nossa particular atenção para com franjas da sociedade que permanecem legalmente desprotegidas.
Este marco que queremos construir é o contributo para a consolidação de uma sociedade liberal e pluralista, permanentemente atenta às questões sociais. É este o nosso dever, é esta a nossa tarefa: a constante construção de soluções, perante a permanente insatisfação.
Manifestamos, igualmente, abertura para que, em sede de especialidade, se proceda a um texto final depurado, justo e equilibrado, que mantenha, obviamente, o fio condutor desta nossa iniciativa.
À partida, a sociedade civil exige de nós que saibamos acompanhar as transformações sociais, sem ficarmos tolhidos pelo preconceito ou pelo tabu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Basílio Horta, Ana Manso, Odete Santos, Pedro Duarte, Isabel Castro, Telmo Correia, Helena Roseta, Luís Fazenda e Maria do Rosário Carneiro.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, gostaria de dizer que, sendo embora um debate interessante, a discussão do preconceito não nos leva, hoje, muito longe, mas, reconhecidamente, assumimos o preconceito. E há aqui um preconceito neste debate! Há preconceitos talvez mais agudos do lado direito do Hemiciclo, mas do lado esquerdo também há muito preconceito. No entanto, não vamos discutir o preconceito, porque, e creio que foi Einstein que o disse, é mais difícil destruir um preconceito do que cindir o átomo, e é um pouco disso que por aqui temos. Portanto, não vamos discuti-lo, queremos removê-lo e ele só é vencido por argumentos da razão e por aquela que vai sendo a maioria social no processo histórico.
A Sr.ª Deputada disse-nos que não quer introduzir uma discriminação em função da orientação sexual, mas o que o projecto da Juventude Socialista faz - e estranha-se, neste debate, o silêncio dos seniores do Partido Socialista - é exactamente, por um lado, escamotear a já existência de uma discriminação produzida anteriormente na lei de protecção das uniões de facto, a qual não é agora corrigida, e, por outro, logo à cabeça, colocar a expressão clara de que é mantida a anterior discriminação na protecção das uniões de facto. É escusado a Sr.ª Deputada colocar um ar cândido, absolutamente harmonioso, como se estivesse em paz com a antidiscriminação, porque, na realidade, o que sacraliza, o que regidifica é ainda a discriminação que já estava contida na anterior lei de protecção das uniões de facto. Não vamos fugir deste ponto, porque ele é essencial.