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2001 | I Série - Número 49 | 15 de Fevereiro de 2001

 

uma ânsia enorme de legislar, uma sede de inovar e, muitas vezes, uma vontade de estar à frente do tempo. E, se, porventura, há dois anos atrás o BE estivesse representado nesta Assembleia, a iniciativa legislativa que nessa altura foi aprovada e que hoje existe como lei não teria sido aprovada, exactamente pelo sentido perverso que, muitas vezes, a vossa ânsia de legislar traz atrás de si.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, vou sublinhar um ponto político da vossa iniciativa legislativa, porque me parece relevante. O Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei que continha, em si, a possibilidade da adopção por casais homossexuais; a seguir, reformulou-a, reformatou essa iniciativa legislativa e, hoje, retirou esse ponto. Ora, posso eu daqui inferir que entende que a actual situação e o actual quadro jurídico da adopção regulado no Código Civil é o melhor, ou seja, que o melhor interesse do menor é, evidentemente, acautelado por uma solução mais equilibrada e favorável que envolve uma relação heterossexual e não homossexual? Posso inferir isto, Sr.ª Deputada? Parece-me que sim.
Também posso inferir que, da vossa parte, existe algum preconceito em relação à relação homossexual, na exacta medida em que entendem que se não há condições para a adopção é porque é uma relação distinta dentro de si? Posso inferir que se entendem que a heterossexualidade protege melhor, neste caso concreto, o interesse do menor é porque há, aqui, uma distância ou uma distinção evidente entre uma e outra situação? A verdade é que nós não podemos deixar de apontar…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, lamento, mas tem de terminar.

O Orador: - Era esta a questão, porque este recuo político do BE parece-nos que trás dentro de si algumas considerações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Srs. Deputados, vou começar por responder à Sr.ª Deputada Ana Manso.
O que estamos aqui a discutir não é o casamento. A união de facto não é casamento. Aliás, a Constituição estabelece de uma forma muito clara, diferenciando, o direito a constituir família e o direito a contrair casamento.
Portanto, já lá vão os tempos, tempos bem negros, em que a família se esgotava na instituição. A instituição é algo muito louvável, e que não pomos em causa, para quem a escolhe. O que aqui está em causa, efectivamente, é o reconhecimento de novas formas de família que não são assim tão novas, sempre coexistiram na sociedade portuguesa e nas sociedades em que, efectivamente, o fundamental é a autonomia individual e é a afectividade. Não se trata, de modo algum, de burocratizar. Para já, se fosse este o argumento, então, poderíamos dizer que também as uniões de facto entre heterossexuais, que já estão consagradas na lei, discriminando, portanto, o conjunto de cidadãos ao atropelo da Constituição, introduziram um sistema de burocratização, mas não é verdade!
Sr.ª Deputada Ana Manso, exactamente porque o que nos conduz é o respeito pelos direitos individuais, o nosso projecto de lei deixa à opção o registo ou não registo. Se, efectivamente, as pessoas que vivem em união de facto quiserem registá-la de imediato, para passarem imediatamente a usufruir dos direitos, muito bem; se não quiserem, não a registam.
Portanto, não se trata de burocratizar, trata-se sempre da mesma questão… Nós não temos qualquer sanha legislativa - e passo a responder ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira -, nem qualquer ânsia, o que temos, isso sim, é uma ânsia de politizar a felicidade, porque consideramos que uma sociedade em que os indivíduos são de facto felizes, e isto passa de uma maneira fundamental pela afectividade, pela sua realização afectiva, que, não sendo única, é essencial, é efectivamente uma sociedade mais equilibrada.
Sr. Deputado Ricardo Castanheira, não estamos aqui a discutir a adopção, isso é para um segundo tempo, um segundo momento. Mas desde já esclareço-o de que não temos qualquer preconceito, e tanto não o temos que até já apresentamos um projecto nesse sentido; um projecto cujo centro é a defesa dos direitos das crianças, alargando os critérios da adopção, mas que efectivamente, não ignora, por considerar uma questão importante, que a adopção seja reconhecida como direito a todos os cidadãos, a todas as pessoas, porque a Constituição fala de todos os cidadãos, de todas as pessoas.
Devo ainda esclarecer um equívoco: no nosso projecto de lei relativo às uniões de facto nunca inserimos o problema da adopção, e não o fizemos por uma razão muito simples: porque uma coisa é regular a opção entre dois indivíduos e outra coisa é regular matéria respectiva a terceiros.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois anos, nesta Câmara, o debate centrou-se na necessidade de adoptar um regime jurídico para as uniões de facto, o que veio a ocorrer com a adopção da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Foi a tomada de consciência de que as sociedades modernas vivem profundas transformações sociais e, portanto, um novo conceito de tipo familiar, cuja necessidade de alargamento e sistematização no ordenamento jurídico português se impunha. O PS afirmava, nessa altura, que o projecto de lei «reintroduzia na vida política nacional as chamadas questões de sociedade ou questões civilizacionais».
O projecto de lei que trazemos hoje, a esta Câmara, representa o continuar deste debate importante sobre as questões de sociedade, que não podem ser entendidas como laterais da vida política. São questões essenciais que devem ser assumidas por todos nós de forma séria e responsável, para que fique na sociedade portuguesa uma marca da desejada protecção social aos cidadãos.
Pelo então Deputado Sérgio Sousa Pinto, em resposta a uma questão da Deputada Isabel Castro, afirmava-se o compromisso da Juventude Socialista de apresentar um projecto de lei, nesta Assembleia da República, que regulasse as situações dos casais homossexuais, as situações de natureza não sexual, não familiar de comunhão de vida e de economia comum. Assumimos o compromisso, e cumprimo-lo! A política é isto mesmo: confronto, debate, clarificação, tolerância, busca de consensos e compromisso!