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2008 | I Série - Número 49 | 15 de Fevereiro de 2001

 

não podem justificar a construção de categorias culturais com regimes jurídicos diferentes.
O que está no cerne da recusa do reconhecimento de direitos aos casais do mesmo sexo é tão-só o preconceito, uma teoria essencialista sobre o comportamento humano, radicada num eventual direito natural - que não existe -, na defesa de normas e padrões que se julgam imutáveis.
Com preconceitos deste género, confrontaram-se durante décadas as uniões de facto entre pessoas de sexo diferente, que só com o 25 de Abril, desde a reforma do direito de família em 1977, em legislação dispersa, e não apenas em 1999, como erradamente se diz, viram consagrados direitos em nome do princípio da igualdade.
Mais difícil de vencer tem sido a discriminação que atinge os casais formados por pessoas do mesmo sexo. A progressão tem sido penosa, porque a marginalização daqueles seres humanos se radica em preconceitos longínquos, envolvidos muitas vezes na fé religiosa.
A homossexualidade passou a ser um pecado com o Conselho Eclesiástico de Elvira, no ano 309. Rapidamente, em nome do pecado, passou a ser um crime. Depois de ser retirada da categoria de crime, continuou a ser considerada uma doença mental. Retirada da lista das doenças mentais, resistem alguns, considerando a homossexualidade um comportamento moralmente incorrecto.
A esta evolução correspondeu, na evolução do direito, a despenalização da homossexualidade, em nome da tolerância. Mas ainda aí se está a determinar uma área livre do direito penal em nome da tolerância, não em nome do reconhecimento do direito às diferenças - e digo às diferenças e não à diferença porque o melhor caminho para discriminar é construir uma diferença colectiva.
O direito às diferenças individuais traduz-se no direito à indiferença por parte do Estado na construção das normas jurídicas quando as diferenças não alterem a identidade das situações. Mas o que hoje se discute não é um regime jurídico nascido da tolerância em relação à homossexualidade, em relação a três dos projectos de lei, porque, em nome da tolerância, estaríamos ainda a consagrar direitos tendo como padrão o outro, o que se enquadra na maioria, neste caso, homens e mulheres heterossexuais, casados.
O que hoje se discute é a necessidade de consagrar iguais direitos para situações idênticas e o reconhecimento desses direitos. Só nos casos em que mereçam consideração as diferenças, sem a intervenção de juízos de valor pessoais para definir estatuto diferente, é que pode ser diferente o reconhecimento de direitos, não existindo, quando essas diferenças existam, discriminação. É que a universalidade da norma não é ilimitada.
Num colóquio recente realizado na Universidade de Paris Nanterre, sob o título «Homossexualidades e Direito - Da Tolerância Social ao Reconhecimento Jurídico», Danièle Lochak defendeu na sua comunicação, em nome da universalidade da norma jurídica, o reconhecimento de direitos às uniões de facto homossexuais, abrindo no entanto uma excepção - a tal universalidade -, sempre que essa situação fosse diferente. Concretamente, no caso do direito a adoptar, única excepção admitida na comunicação.
E vale a pena transcrever as suas próprias palavras: «(...) quanto a nós a diferença de situação existe; ela reside nas consequências que a adopção teria sobre a criança relativamente à qual a filiação seria estabelecida em relação a dois progenitores do mesmo sexo. Não se correm riscos, pretendendo manipular assim, sem mais precauções, as bases constitutivas da filiação, as estruturas elementares de parentesco e, para além disso, os recantos mais profundos da identidade?»
O PCP entende, pois, que o regime jurídico dos casais hetero e homossexuais só deve ser diferente quando as situações são diferentes. E tal não acontece relativamente à maior parte da realidade sobre que queremos legislar.
Por isso, o PCP optou por apresentar um projecto de lei para as uniões de facto hetero e homossexuais, enquanto aguardamos o projecto da Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, que deveria ser muito revolucionário, pelo que ouvimos.
Neste projecto reproduzimos, com uma melhoria, o que consta da lei de 1999. A melhoria diz respeito à transmissão do direito ao arrendamento.
Podíamos estar hoje a discutir um quadro jurídico de maior reconhecimento de direitos quanto à protecção das uniões de facto hetero e homossexuais.
Contudo, a lei de 1999, que teve na sua origem um projecto de lei do Partido Socialista apenas sobre as uniões de facto heterossexuais - e não como o Sr. Deputado Ricardo Castanheira quis dar a entender -, fixou um quadro com uma fasquia demasiado baixa que agora condiciona o quadro jurídico a adoptar.
O PCP entende que todos os projectos de lei relativos à união de facto constituem um contributo precioso para legislar, no sentido de pôr fim a discriminações graves existentes na sociedade.
Existe ainda o projecto de lei do Partido Socialista, que se apresenta na linha da tolerância - que, aliás, foi sintomaticamente uma palavra utilizada pela Deputada Ana Catarina Mendonça - e não do reconhecimento de direitos.
É por isso que o projecto de lei trata o assunto na óptica da economia comum. É por isso e não - como se tem dito - porque se quer defender a privacidade das pessoas. Porque, então, pergunta-se: como é que se defende a privacidade das pessoas autorizando o Estado a invadir essa privacidade em relação às pessoas em economia comum e autorizando o Estado a afastar do regime de economia comum pessoas que não podem casar, porque o casamento seria incestuoso? Isto não é defender a privacidade!
O diploma, por vezes, é pouco menos que ininteligível. Penso que há pessoas dentro do partido socialista que têm a noção disto e que têm vergonha.
De facto, depois de enunciar que ficam excluídas da aplicação da lei as pessoas que, por força da lei ou de negócio jurídico, incorram em obrigação de prestação de alimentos, faz condicionar o direito a algumas pensões, como as devidas por acidentes de trabalho - e pergunta-se por que não por doença profissional -, à titularidade do direito a alimentos. Se não se aplica quando existe uma obrigação de prestar alimentos, como é que depois se vai aplicar, exigindo que haja uma prestação de alimentos ou este direito? Em que é que ficamos, Srs. Deputados?
Depois, o regime proposto é altamente discriminatório relativamente a certas pessoas que vivam em economia comum. Hoje, aqui, já foram dados vários exemplos, como o da pessoa notoriamente demente e a questão dos irmãos ou das irmãs, mas há mais. No caso de um irmão e uma