0143 | I Série - Número 05 | 27 de Setembro de 2001
Este impulso reformador partiu da necessidade de dar prioridade à alteração orgânica e administrativa para depois se centrar na reforma da justiça tributária e, de seguida, avançar com a reforma do sistema fiscal.
A necessidade de mudança foi encarada por este Governo como prioritária e desde logo marcou caminho começando, após vários pareceres, pela reforma da tributação do rendimento e pondo em marcha estudos sobre a do património imobiliário e a nova fiscalidade.
A reforma da tributação do rendimento era urgente, já que as desigualdades que produzia eram notórias, injustas e tendiam a agravar-se. Impunha-se baixar os impostos de quem já paga por contrapartida do acréscimo de novos contribuintes que, através da fraude e evasão fiscal, se colocavam fora do sistema; reforçar a administração fiscal para actuar de uma forma mais justa e atingir os objectivos de melhoria das relações com os contribuintes e melhor analisar as novas situações que as mudanças na economia produziram.
As distorções tinham de ser corrigidas por forma a tornar a tributação dos trabalhadores dependentes mais equitativa e mais aligeirada, relativamente aos independentes e pequenas empresas. Cerca de 90% do IRS é originário dos trabalhadores por conta de outrem e pensionistas.
Em contraponto com o resto da Europa, a tributação sobre o consumo, em Portugal, tem um peso bastante superior ao do rendimento, que era necessário remediar, a par da evasão, aqui existente, reconhecida e valorizada em cerca de 25% da actividade económica, o que provoca redução de receita e prejudica a livre concorrência.
A carga fiscal do IRS era muito desigualmente repartida: segundo dados de 1996, o rendimento anual médio declarado pelos comerciantes e industriais era de 500 contos; o dos agricultores era de 400; o dos profissionais liberais 800 e - pasme-se! - o dos trabalhadores por contra de outrem 2200 contos.
Em face desta constatação, havia que introduzir alterações que contrariassem esta tendência e foi o que se fez com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, já elogiada pela OCDE, no seu relatório sobre a economia portuguesa, que a considera como um primeiro passo no necessário impulso reformista. Na sua concretização, esta reforma procurou atingir os seguintes objectivos: desagravar o IRS, através da redução de taxas e aumento de escalões, visando beneficiar os trabalhadores e classe média e assim reduzir a tributação do trabalho face à do capital; estimular a poupança e a protecção à família, através de novas deduções e incentivos ao aforro a longo prazo; moralizar a tributação das mais-valias, que estavam fora da ideia subjacente a imposto único; tributar as manifestações de fortuna não justificada; flexibilizar com prudência o sigilo bancário; contrariar o planeamento fiscal abusivo e alargar a base tributária; dar competitividade à economia através de novas medidas sobre o crédito fiscal ao investimento; reforçar o apoio ao desenvolvimento de tecnologias; combate à interioridade e eliminação da dupla tributação, a par, e sobretudo, do plano já em marcha de redução das taxas de IRC, que irá até 25% em 2005; simplificar a tributação através de um regime simplificado e de utilização da Internet e do aliviar da burocracia; reforçar as garantias dos contribuintes, simplificando processos e reforçar o sigilo fiscal; modernizar a máquina fiscal através do recurso a tecnologias avançadas.
Foi todo um conjunto articulado e coerente de medidas na base de uma filosofia que se pretendia amplamente aceite, porque enraizada em critérios de justiça, equidade, unicidade fiscal, alargamento de base tributária, progressividade e personalização das deduções. É esta filosofia que queremos preservar por nos parecer a mais ajustada.
Tal não invalida que, dentro destes pressupostos e sempre que a conjuntura o reclame, não possamos ajustar a legislação para impulsionar a actividade económica, estimular o investimento e a poupança e favorecer a competitividade da economia, no sentido de aprofundar os princípios que estão subjacentes à reforma empreendida.
Não está em causa o sentido geral das medidas, porque até entendemos que alguns aspectos devem ser reforçados, designadamente as medidas de combate à fraude e evasão para alargar o número de contribuintes e podermos assim reduzir as taxas, definir as restrições às transacções com origem em «paraísos fiscais» e melhorar a recuperação das receitas fiscais. Simultaneamente, urge regulamentar as medidas inovadoras que o Decreto-Lei n.º 30-G/2000 introduziu.
Importa, agora, avançar noutra linha de reforma de tributação, no que se refere ao património urbano e automóvel, conforme tinha sido definido e escalonado por este Governo.
Os estudos existentes sobre estas matérias estão num estado avançado de desenvolvimento, o que permite vislumbrar, a curto prazo, decisão política sobre a forma de tributação proposta.
A reforma da tributação do património é algo muito requerido, face à situação existente, mas também é algo complexo, porque exige uma actualização de matrizes, a fazer segundo critérios consensualmente aceites, principalmente por esta Câmara.
Pelas implicações que esta receita tem nas autarquias locais, importa analisar com Associação Nacional de Municípios Portugueses a compensação resultante da abolição de sisa e contribuição autárquica, trabalho que ainda tem de ser aprofundado.
Por outro lado e de acordo com as recomendações do ECORFI (Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal), a introdução do IVA reduzido nas transmissões de terrenos para construção de imóveis novos (imposto de selo para as antigas) tem de assentar numa base segura em termos legislativos e numa adequada taxa neutra.
Ora, a Comunidade só se pronunciou de uma forma genérica relativamente à questão, também genérica, sobre a possibilidade de usar uma taxa reduzida nos casos enquadráveis na política social de habitação.
A resposta em definitivo da União ficou assim condicionada à definição em concreto do que se considerou política social de habitação, sabendo nós que a taxa reduzida tem sido considerada excepcional pela Comunidade e a perspectiva futura é a sua eliminação.
O processo de reavaliação dos prédios é longo e por isso é necessário aceitar um regime transitório, equilibrado, que conduza a uma redução da taxa por contrapartida das actualizações matriciais por forma a ser neutro na receita cobrada.
Quanto ao imposto automóvel, que se decompõe no de vendas e circulação, apresenta, em Portugal, um desequilíbrio relativamente ao que se passa na Europa. Temos um imposto de venda com um peso imensamente superior ao de circulação e este ainda é atenuado com a antiguidade do veículo, quando tudo aconselharia o contrário.