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0148 | I Série - Número 05 | 27 de Setembro de 2001

 

Daí se compreendem os dois grandes momentos de escândalo do século XX português. O primeiro, quando o Presidente Sidónio Pais tenta lançar um imposto extraordinário sobre os lucros de guerra durante a I Guerra Mundial, o que foi um escândalo de tal ordem junto das associações de comércio e de outras que o levou a recuar e a meter o imposto na «gaveta», e o segundo, que motivou a mesma reacção, quando o Salazar tentou, em 1943, lançar um imposto extraordinário sobre os lucros de guerra, que teve de ir minorando e - porque o Salazar nestas coisas não era de meter fosse o que fosse no «bolso» - que o levou a ir recuando progressivamente até praticamente anular o imposto.
É por isso, Srs. Deputados, que 26 longos anos depois do 25 de Abril - só 26 anos depois do 25 de Abril! -, em Março de 2000, se chega à aprovação no Parlamento português de uma reforma tributária. A demora fala por si e tem raízes históricas! O princípio da reforma fiscal mereceu o nosso apoio e a nossa participação e, pessoalmente, continuo a considerar que foi um gesto de justiça histórica em termos de política económica. Infelizmente, no tema da reforma fiscal, o Governo habituou esta Assembleia a anunciar grandes propostas de reformas que os factos vão progressivamente erodindo e que vão desaparecendo, como se se tratasse de uma onda que surge e que se vai abatendo e esfumando na bruma.
Há cerca de um ano, neste Plenário, ouvimos o Sr. Ministro das Finanças da época garantir um faseamento de aplicação da reforma, que estaria agora a concluir-se. Não era verdade! O Governo, na prática, parou em Outubro em 2000 com a reforma fiscal, talvez mais assustado do que o grande Álvaro de Castro e o José Domingos dos Santos, já que eles afrontaram o coro de protestos e foram derrubados por causa disso. De qualquer modo, o Governo, assustado com o coro de protestos que a direita social e política imediatamente desencadeou contra algumas intenções da reforma, e apesar do meritório trabalho desenvolvido pela equipa que trabalhou com o ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, fez com que grande parte dos anteprojectos fossem parar a esse sítio mítico onde o Partido Socialista, há muitos anos, costuma guardar as ideias incómodas: a «gaveta»!
Pela voz de Pina Moura, como se lê na Acta da sessão plenária de 21 de Setembro de 2000, o Governo declarava solenemente: «apontamos para o biénio 2002 e 2003 as acções essenciais no domínio da tributação do património imobiliário urbano, por um lado, e da tributação energética, por outro». Como todos nós percebemos, não será com certeza nos anos 2002 e 2003 da era de Cristo! E, no entanto, quer a tributação energética, quer a tributação do património, em especial do património imobiliário urbano, são duas grandes urgências. A primeira, para ter incidência concreta em matéria de revisão dos impostos sobre o sector automóvel e sobre os combustíveis, por forma a utilizar a fiscalidade como um instrumento regulador das melhores escolhas nos transportes, escolhas que sejam amigas do ambiente e das pessoas. A segunda matéria, a tributação sobre o património imobiliário, é urgente e inadiável porque o Governo não pode continuar a ignorar as exigências de equidade e de justiça fiscal por parte da esmagadora maioria da população, cedendo aos interesses ligados aos negócios do património em geral, do imobiliário e da construção.
A este propósito, gostava de dizer que o Bloco de Esquerda apresentou nesta Câmara há poucos dias um conjunto de propostas sobre o património imobiliário que visavam a eliminação daquilo a que o Engenheiro Guterres, noutros tempos, chamava o «imposto mais estúpido do mundo» e que visavam também a supressão da contribuição autárquica, que, tal como está legislada e como é aplicada, se poderia bem classificar como o «segundo imposto mais estúpido do mundo».
O Bloco de Esquerda continua a considerar que a reforma da tributação sobre o património e, em particular, sobre o património imobiliário, justifica um debate urgente que conduza esta Assembleia a uma decisão sobre esta matéria. Continuam perfeitamente actuais as propostas que aqui apresentámos há mais de um ano e que em breve reforçaremos através de um conjunto de propostas de alteração à legislação em vigor relativa à fiscalidade, ao licenciamento urbano, ao planeamento e ao ordenamento do território.
Em época de eleições autárquicas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a fiscalidade urbana é matéria sobre a qual importa ter atenção. A proposta de introdução do IVA na construção e nas transacções imobiliárias, que, aliás, não é sequer uma proposta exclusiva do Bloco de Esquerda e em relação à qual ainda recentemente, num colóquio que organizámos, o Dr. Ricardo Sá Fernandes afirmava não haver qualquer impedimento legal a nível comunitário, podendo-se, assim, introduzir uma taxa de IVA reduzida no sector da construção do imobiliário, é essencialmente uma questão de vontade política, que tem a ver com a determinação e a capacidade de Portugal fazer as suas escolhas nesta como noutras matérias e de se bater por uma política fiscal que favoreça a correcção da injustiça.
Um dos males de que padece toda a fiscalidade deste sector tem a ver - toda a gente sabe - com o autêntico escândalo que constitui o Código de Avaliações dos Prédios Urbanos e a respectiva actualização das matrizes prediais que lhe deverão servir de base. Desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, ou seja, há 13 anos, que uma proposta de revisão daquele código e de alteração das matrizes continua perdida nas «gavetas» do governo! E por isso, se esta Câmara não aprovar nenhuma alteração à contribuição autárquica do tipo da que o Bloco de Esquerda irá apresentar brevemente, continuaremos todos a ver, todos os anos, cidadãos possuindo habitações situadas na Av. de Roma, em Lisboa, a pagar 5 ou 10 contos por ano, e outros cidadãos, aparentemente iguais em termos sociais e com os mesmos direitos e deveres, possuidores de casas adquiridas há mais de 10 anos, a ter de pagar 10 ou 20 vezes mais, podendo em breve, neste segmento de habitações, vir-se a assistir a valores 100 vezes superiores a outros. Note-se que o termo de comparação são prédios edificados há 40 ou 50 anos. Naturalmente, quanto mais recuarmos na idade dos prédios edificados, maior tenderá a ser a desigualdade e iniquidade social deste imposto.
Acresce a esta uma outra injustiça flagrante originada pelo actual enquadramento legislativo: a multiplicação de casas e terrenos devolutos, estimando-se em cerca de 60 000 o total de fogos abandonados só em Lisboa e no Porto, valor este que se compara necessariamente com a realidade comummente reconhecida de que faltam casas para quem delas precisa nas principais cidades do País.
O Estado e, em especial, os municípios devem poder recorrer à expropriação com base numa justa indemnização e, quando não for essa a decisão, devem poder aplicar uma sobretaxa progressiva sobre todos os prédios e fogos