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0036 | I Série - Número 001 | 18 de Setembro de 2003

 

mesma regra de competência deve ser ampliada nos mesmos termos e aplicada do mesmo modo a um qualquer outro cidadão estrangeiro pela simples circunstância de ter sido encontrado em Portugal.
Este ponto, a meu ver, deve merecer a nossa ponderação e a nossa cuidada análise, para, naturalmente, em sede de especialidade dele se poder vir a retirar a melhor consequência.
Antes que o Sr. Presidente me chame a atenção - aliás, fá-lo-ia com toda a razão - para o facto de esgotar o tempo, quero dizer-lhe que também esgotei as considerações que tinha para fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Este debate é inteiramente pertinente, mas quero dizer-lhe que fiquei um pouco surpreendido com a proposta de lei do Governo, não pelo seu conteúdo mas, sobretudo, pela sua necessidade, pois creio que os projectos de lei que foram aqui discutidos em Março eram suficientes para se conseguir o efeito útil pretendido pela proposta de lei.
Assim, quando os partidos da maioria disseram, no debate de Março, que o Governo estava a preparar uma iniciativa legislativa e que seria prudente os projectos de lei, então discutidos, baixarem à Comissão sem votação, nós concordámos com isso, naturalmente, e aguardámos a proposta de lei do Governo; e criou-se a expectativa de que essa proposta de lei trouxesse algo de substancialmente novo a este debate. Agora, verificamos, porém, que a proposta de lei do Governo, afinal, fez-nos perder seis meses! É porque se tivéssemos começado a discutir, na especialidade, os projectos de lei do PSD e do PCP que aqui foram discutidos seguramente que conseguiríamos o efeito útil que é pretendido pela proposta de lei.
Efectivamente, aquilo que encontramos aqui de novo é o desanexar do nosso Código Penal matérias que também estão criminalizadas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e no Código Penal. Esta, de facto, parece-nos uma técnica, no mínimo, discutível, enquanto que a técnica seguida nos projectos de lei aqui apresentados pelo PSD e pelo PCP, de incorporar no Código Penal tipos de crimes que não estão lá previstos, embora o estejam no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, parecia-nos mais curial.
Não que esta seja uma questão decisiva - nós não somos fundamentalistas relativamente à necessidade de colocar todas as normas com natureza penal no Código Penal, até admitimos a necessidade, em algumas matérias, de legislação penal extravagante, mas também não nos parece que seja um bom princípio tornar o Código Penal numa espécie de "queijo Gruyere" em que, qualquer dia, são mais os "buracos" do que propriamente a matéria regulada… Agora, estamos a discutir a questão de revogar uma série de artigos do Código Penal e passá-los para legislação extravagante; amanhã, iremos votar, aqui, a justiça militar que vai fazer o mesmo relativamente a mais uma meia dúzia de artigos do Código Penal… E por este princípio, qualquer dia, o Código Penal começa a ser, efectivamente, uma "manta", porque são mais os buracos do que as matérias que nele estão realmente reguladas.
Esta é, por certo, uma opção do ponto de vista técnico que não nos agrada, mas, repito, não é esta, verdadeiramente, a questão substancial.
A questão substancial é a de que, de facto, tem todo o sentido - e, naturalmente que esta proposta de lei terá o nosso voto favorável - que todos os tipos de crime previstos e punidos no Estatuto de Roma do TPI sejam previstos e punidos pelo Direito interno português. Sempre considerámos isto! Considerámo-lo, desde a primeira hora, e aliás, apresentámos o nosso projecto de lei neste sentido, precisamente na altura em que aqui se discutia a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. E, na altura, o projecto foi recusado pela maioria desta Câmara!
Mas, dizia eu, sempre nos pareceu isto, e por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, uma delas, que já foi aqui assinalada: é que há molduras penais, designadamente, a prisão perpétua, que está prevista no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, e não está prevista no Direito português - e ainda bem! Sempre entendemos que somos nós que estamos certos, que é o Direito português que está certo, e contestámos também a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional por esse facto.
Por isso, entendemos que não nos deve ser feita a acusação de pretender, pelo facto de não aceitarmos a prisão perpétua, que alguém pudesse ser encontrado em Portugal, tendo cometido crimes contra a Humanidade, e que ficasse impune pelo facto de sermos contra a prisão perpétua. Portanto, defendemos que todos esses crimes deveriam ser previstos e punidos, de acordo com as molduras penais que devem existir no Direito português, segundo a nossa tradição jurídica e os princípios em que acreditamos.
Em suma, julgamos que Portugal não deveria servir para garantir a impunidade fosse a quem fosse, e, portanto, deveríamos prever essa extensão, em termos materiais, da criminalização de determinadas matérias. E nem estamos muito preocupados com a questão que o Sr. Deputado Jorge Lacão aqui colocou, há pouco, isto é, não nos preocupada, em nada, que um cidadão estrangeiro que seja perseguido por ter cometido crimes contra a Humanidade, e crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, seja julgado em Portugal, caso não possa ser extraditado. Se ele puder ser extraditado, sê-lo-á; se não puder ser extraditado, designadamente, por correr o risco de se lhe aplicar a pena de prisão perpétua, ele deve ser julgado em Portugal e os tribunais portugueses devem ter essa competência para que, de facto, não se crie, aqui, um espaço de impunidade para uma pessoa que esteja nessas circunstâncias.