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0035 | I Série - Número 001 | 18 de Setembro de 2003

 

considerando essa complementaridade, sabemos, de antemão, que, em determinados momentos e em função do interesse do nosso próprio país, do Estado português, pode entender-se que os criminosos de guerra, designadamente desde que as condições de extradição se possam verificar no estrito cumprimento da lei vigente em Portugal, podem ser também julgados, se for caso disso, pelo Tribunal Penal Internacional, de acordo com o Direito Penal português e com as normas que nós, obviamente, queremos que sejam asseguradas, em função daquela que é a tradição nacional nesta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É caso para dizer: "o que já andámos para aqui chegar"!…
Com efeito, o tema do Tribunal Penal Internacional, como todos sabemos, foi um tema que mobilizou - e, a meu ver, bem! - não só a opinião política como também a opinião jurídica e a própria opinião pública portuguesa, num momento em que era decisivo o estabelecer de um testemunho relativamente ao contributo a dar ou a não dar para a estruturação na ordem internacional de uma verdadeira competência e capacidade punitivas em relação a crimes contra a Humanidade.
Não foi fácil, por isso, toda a solução genética do Tribunal Penal Internacional. Não o foi, como sabemos, desde logo, no tempo, quando, desde praticamente a II Guerra Mundial, tantos foram os esforços no âmbito, designadamente, da Organização das Nações Unidas para poder trazer à luz um tratado internacional com esta natureza e com este significado; não o foi também nas negociações do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional para que um compromisso adequado pudesse ser estabelecido, como, felizmente, foi; e não o foi, posteriormente, na fase da assinatura e da aprovação, para ratificação, pelos vários Estados deste mesmo Tratado que cria o Tribunal Penal Internacional.
De tal ordem, aliás, que com a consciência das dificuldades, o próprio Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annam, em determinado momento, pôde exprimir que, provavelmente, o Tribunal Penal Internacional poderia vir a constituir-se como a melhor prenda que a geração actual poderia vir a transmitir às gerações futuras, em termos de garantia de uma instância internacional efectiva na preservação dos direitos da paz e dos direitos fundamentais da humanidade.
Mas o Tribunal Penal Internacional, como tem sido sublinhado, tem encontrado resistências, particularmente daqueles que, com ambições de se colocarem na esfera internacional como os polícias do mundo, não desejam encontrar pela frente qualquer outra instância com capacidade para ter uma visão autónoma e independente no julgamento dos crimes contra a Humanidade, dos crimes de guerra e dos crimes de genocídio.
Pois bem, é para este tipo de batalha dada pela estruturação de uma ordem internacional de paz, ordem que não esteja ao serviço dos vencedores, mas que se assuma com independência perante tudo e todos, que justamente tem significado transcendente a entrada em funcionamento do TPI.
Mas o problema que hoje aqui nos ocupa é a questão da harmonização do nosso Direito interno com as normas que estão consignadas no Estatuto de Roma. E aqui, naturalmente, faz sentido salientar o contributo positivo para harmonizar o nosso Direito interno, designadamente no que diz respeitos aos elementos constitutivos dos respectivos tipos legais de crime, para que também o Estado português esteja em condições de poder prevenir, perseguir e condenar aqueles que na nossa ordem jurídica devam merecer esse tratamento. A harmonização é, portanto, positiva em si mesma.
Já vale a pena discutir o aspecto de saber se, por cada elemento relevante na consignação de tipos legais de crime em consonância com o Direito Internacional, por um lado, ou com o Direito Europeu, por outro, o caminho que acabamos por escolher, e que o Governo está a escolher, é, hoje, o de desanexar do Código Penal normas sobre a matéria dos tipos legais de crime relativos justamente aos problemas da paz e da Humanidade e, amanhã - ou ontem, como aconteceu relativamente ao terrorismo -, ir sucessivamente deixando em fatias este tipo de matérias, a benefício de legislação penal avulsa.
Não cremos que seja o caminho mais adequado, relevará, aliás, para uma compreensão globalmente menos nítida daquilo que é o sistema do nosso Direito Penal, e, portanto, metodologicamente falando, não creio que seja feliz procurar regular por diploma autónoma esta matéria, que, do nosso ponto de vista, melhor cabia na economia do Código Penal.
Um outro ponto, para além deste - e este, certamente, ainda vamos a tempo de ponderá-lo adequadamente em sede de especialidade -, tem a ver com uma questão, porventura fulcral, que é o das competências agora alargadas para os tribunais portugueses no que diz respeito aos novos tipos legais de crime, em consonância com os previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional. E a questão é esta: o Governo propõe como solução que os nossos tribunais passem a ter competência para poder julgar todos os crimes desta natureza quando o agente que os tenha cometido seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado.
Ora, daqui vai decorrer que, porventura, em algumas situações em que o agente do crime não seja um cidadão português e possa estar em conexão na prática desse crime com cidadãos de outros Estados, os mais variados, e em que o Tribunal Penal Internacional, por razões de eficácia na avaliação, no julgamento e na punição, peça a entrega desse agente, se ele tiver sido encontrado em Portugal, com esta regra de conexão e de competência que aqui temos, o que o Estado português vai ter de dizer é: "nós não o podemos entregar se ele não for previamente julgado em Portugal", consequentemente em prejuízo da complementaridade do Tribunal Penal Internacional, num momento em que possa ser fulcral que o julgamento, de forma mais consistente, mais coerente e mais alargada, tenha, desde logo, lugar nessa mesma instância.
Portanto, penso que este aspecto deve merecer uma cuidada ponderação. Não contesto de modo algum que a solução do alargamento de competência aos tribunais portugueses seja feita de maneira a poderem em primeira instância julgar qualquer cidadão português que se encontre numa destas situações, mas, francamente, já tenho algumas dúvidas se a