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0037 | I Série - Número 001 | 18 de Setembro de 2003

 

Portanto, a nossa resposta, quanto à extensão da competência dos tribunais portugueses a esses cidadãos, é afirmativa: essa competência deve ser, de facto, estendida.
Uma segunda razão que fez com que propuséssemos este alargamento, digamos, dos tipos de crime previstos no Código Penal português prende-se com o nosso cepticismo relativamente a este Tribunal Penal Internacional. Sempre dissemos que a ideia que preside à criação de uma instituição judiciária internacional que possa julgar com garantias de imparcialidade, de independência, todos os autores de crimes contra a Humanidade é uma ideia generosa; sempre o dissemos, e reafirmamo-lo. Mas também sempre manifestámos o nosso cepticismo relativamente a este concreto Tribunal Penal Internacional, por consideramos que ele muito dificilmente teria condições, dada a correlação de forças existente, a nível internacional, para se impor, enquanto jurisdição independente.
E efectivamente é preciso reconhecer que a vida tem vindo, infelizmente, a dar-nos razão. Alguns acontecimentos, designadamente, as pressões internacionais feitas pelos Estados Unidos da América para garantir a sua impunidade perante o Tribunal Penal Internacional, com algum sucesso e mesmo perante uma posição, no mínimo, equívoca, por parte da União Europeia, infelizmente, parecem dar-nos razão.
Por conseguinte, este é mais um elemento que nos faz considerar que o importante é Portugal poder assegurar, perante o mundo inteiro, que ninguém ficaria impune em Portugal desde que sobre si recaísse a suspeita de ter sido autor de crimes contra a Humanidade, de quaisquer crimes previstos e punidos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Porque pensamos que, deste modo, damos o exemplo perante todo o mundo, e fazêmo-lo de acordo com critérios e princípios de Direito Penal que perfilhamos e que cremos estarem correctos, e relativamente aos quais gostaríamos que fosse, não o nosso país a aproximar-se de princípios que nos são estranhos e repudiamos, mas, pelo contrário, poderíamos dar um exemplo e procurar que sejam os outros países a adoptar os princípios, que julgamos serem justos, nos quais acreditamos e que adoptámos no nosso Direito interno.
Concluindo, votaremos favoravelmente a proposta do Governo; pensamos ser o momento adequado, aliás, para podermos votar na generalidade todas as iniciativas apresentadas; por isso, todas contarão com o nosso voto favorável, na generalidade.
Pensamos que vale a pena fazer este trabalho, na especialidade, para, de facto, concluirmos este procedimento legislativo, e podermos dar um exemplo de que Portugal está seriamente empenhado em acabar com a impunidade dos autores de todo e qualquer crime - contra a Humanidade, crime de guerra, crime de agressão, ou qualquer crime que repudia à consciência universal.
Era isto que eu tinha dizer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: É sabido que colhe a unanimidade aqui, na Câmara, o entendimento de que no direito interno devemos ter prescrições jurídicas que sejam equivalentes àquelas que estão contidas no Estatuto de Roma, de modo a que crimes contra a Humanidade, crimes de genocídio, crimes de guerra, possam ser punidos na ordem interna, e não tanto por uma questão de nacionalização, ou de nacionalismo jurídico, mas por complementaridade entre aquilo que se vai convencionando chamar direito internacional humanitário e aquilo que é a nossa lei penal.
Sr. Secretário de Estado, não entendo como possa ser uma lei autónoma, apesar do argumento que invocou, que é o de ser a transnacionalidade dos crimes. Mas o nosso Código Penal, hoje, também tem tipificações de crimes que são verdadeiramente transnacionais, como o de tráfico, etc.
Sr. Secretário de Estado, não entendo esta argumentação.
Se o Governo nos disser que a existência de uma lei autónoma facilitará os mecanismos de cooperação com o Tribunal Penal Internacional e que isso explicitará, de algum modo, melhor a forma como o Estado português se insere nessa jurisdição internacional, talvez eu pudesse entender essa desanexação do Código Penal. Agora, não creio que o argumento que invoca, o da transnacionalidade dos crimes, seja bastante para o fazer, embora também não tenhamos qualquer oposição de fundo a que haja uma lei autónoma.
Sr. Secretário de Estado, em todo o caso, chamamos a atenção não só para o facto de que poderíamos ter chegado a "bom porto" na redacção de uma lei, com as iniciativas legislativas que já se encontram em sede de comissão, como também, no entendimento do Bloco de Esquerda, para a existência, no diploma anexo à proposta de lei, de alguns conceitos que estão bastante indeterminados e em questões de suma importância.
Por exemplo, no artigo 9.º, alínea k), o que são "Actos desumanos de carácter semelhante que causem (…) grande sofrimento (…)"? Esta tipificação é absolutamente abstracta. Qual o alcance, qual a extensão da expressão "Actos que ultrajem a dignidade (…)", que consta na alínea k) do artigo 10.º? No artigo 11.º, alínea d), diz-se "Lançar um ataque indiscriminado que atinja a população civil (…), que sejam excessivos.", procurando tipificar como crime um ataque indiscriminado contra a população civil ou bens de carácter civil que cause perdas de vidas humanas. Qual é a avaliação de "excessivo", no lançamento de ataques sobre populações civis?
São questões (e poderia citar muitas outras) que, a nosso ver, não estão suficientemente tipificadas, não estão densificadas com algum rigor, de modo a que entendamos qual a latitude que se procura dar na lei penal.
Também preferiria a utilização da expressão "etnia" e "étnico", em vez de "raça" - aliás, há alguma confusão na utilização destes conceitos -, mas são questões que, com certeza, poderiam, e podem, ser vistas em sede de especialidade.