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4132 | I Série - Número 076 | 17 de Abril de 2004

 

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na realidade, isto não é uma lei do cinema. A verdade é que não há lei alguma. Isto é um amontoado de generalidades, uma vez que tudo fica para regulamentação. Se compararmos com o anteprojecto, percebemos que tudo o que poderia ser polémico foi deixado para regulamentar mais tarde. E por isso é uma lei sem coragem.
Por isso, nos concentrámos no fundo de investimento e na apresentação que dele foi feita por uma empresa de consultadoria americana. Ao que parece o Ministério da Cultura foi substituído pela A.T. Kearney. Será este fundo, e não o ICAM, a ficar com a grande fatia do bolo financeiro e a sua equipa técnica com quase todas as funções.
O fundo fica com os programas de apoio comunitários e internacionais, com a taxa das bilheteiras, com as taxas hoje pagas pela televisão e com a taxa do cabo. Só que estas taxas podem ser substituídas por contratos de investimento. Ou seja, a PT e as televisões terão um direito que mais ninguém tem em Portugal: o de decidirem, sozinhas, o que fazer com a taxa que os portugueses pagam. Se a moda pega, podemos "fechar as portas" do Estado. O ICAM, esse, ficará, se sobreviver com esta razia, às migalhas.
O fundo, com este tipo de mecanismos, terá corno principal beneficiárias as televisões e o cabo. A verdade é esta: o cinema português poderá passar a ser dirigido por televisões e pela PT. Será o fundo, composto pelos mesmos que dele beneficiarão, a decidir tudo. Com o anteprojecto, dos júris tínhamos passado para uma comissão técnica. Com a apresentação do fundo, nem júri, nem comissão - eventualmente, o tal conselho, de que o Sr. Ministro falou há pouco. Os comissários dos gestores do fundo irão, então, decidir em causa própria. Vá lá, o Ministério da Cultura fica com voto de qualidade…
Mas quem paga grande parte do dinheiro que vai para o fundo? Pois é isso mesmo, é o Estado! É ele que garante 40%, para que a PT, a SIC e a TVI façam os seus negócios. Objectivo: a mítica construção de uma indústria de cinema. Resultado óbvio: filmes feitos à medida de séries de televisão, com orçamentos milionários pagos, em 40%, pelo Estado. Menos filmes, menor diversidade e destruição do cinema português, um dos poucos produtos culturais que representa, com enorme sucesso, Portugal no exterior.
Defendemos que o principal papel do Estado em relação ao cinema é o de promover a criação, criar memória e garantir a diversidade cultural. E a diversidade cultural exige quantidade.
Os bons realizadores fazem-se fazendo filmes; não se fazem em gravações de telenovelas. O Estado não tem por função ajudar grandes empresas, nem canais de televisão. Se queremos ter cinema, no futuro, se queremos que outros conheçam as nossas criações, então, esta lei é o pior caminho possível.
A direita vive uma ilusão: quer ter Hollywood, em Portugal. Não é a grande ilusão, é a "aldeia da roupa banca". Tem um país pobre e com 10 milhões de habitantes, mas não se conforma. Mesmo que os portugueses fossem ao cinema como os franceses, não chegaria. E, ainda assim, não se conhece nenhum país europeu que tenha conseguindo público desistindo da criação artística.
Trata-se de um sonho infantil sem qualquer futuro. A sequência da auto-estrada do The Matrix custou o mesmo que todos os filmes portugueses somados desde 1975 - este é um dado esmagador. Queremos competir? Então, vamos passar os próximos 30 anos a fazer uma sequência de um filme. Não há competição possível neste domínio, a não ser a de fazer com qualidade e a de fazer diferente.
O cinema português nunca será auto-sustentado. Entregá-lo às televisões e às empresas de telecomunicações só servirá para matar de vez o cinema nacional.
Não estamos aqui a discutir gostos, apenas objectivos. Alguns números destroem a retórica de quem confunde os preconceitos com a realidade. Por exemplo, um filme como Vou para Casa, de Manoel de Oliveira, teve 16 000 espectadores, em Portugal, e outro, como Adão e Eva, de Joaquim Leitão, teve 234 000. Conclusão: parece que (isto sem qualquer juízo de valor sobre as obras) o segundo teria tido um sucesso muitíssimo maior. Nada mais errado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: -Termino, de imediato, Sr.ª Presidente.
Como dizia, nada mais errado. Vou para Casa teve, fora das nossas fronteiras, quase meio milhão de espectadores. Estreou em 13 países. Um filme como Verdes Anos, de Paulo Rocha, foi visto por gerações e gerações de espectadores. Qualquer um deles foi mais lucrativo do que os filmes comerciais portugueses.
Não são os filmes que geralmente consideramos mais vocacionados para o grande público que são mais lucrativos.