8 DE NOVEMBRO DE 2006
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O Orador: — Para uns, o verbo conjuga-se sempre no presente e é para aplicar no imediato, para os outros, para os verdadeiros privilegiados, é sempre num futuro, que tarda ou nunca chega.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de o Primeiro-Ministro e o coro dos ministros usarem centenas de vezes a palavra «rigor» para definirem este Orçamento, ele tem, na realidade, artifícios que, tal como as políticas que impõe, cada vez mais se assemelham aos truques do governo anterior.
Um deles tem como intuito disfarçar a gravidade do retrocesso que o Governo quer impor aos trabalhadores e ao povo. Trata-se da questão da taxa de inflação. O Governo avançou com o valor de 2,5% para o ano de 2006, apesar de o INE o ter actualizado para 3%. E todos os portugueses sabem que o real aumento do custo de vida está bem acima destes 3% e de todos os valores anunciados como reais nos últimos anos.
O mais extraordinário é que o Governo se prepara para ignorar esta previsão do INE, mantendo os 2,5%, em 2006, e prevendo uns inacreditáveis 2,1%, para 2007. Claro que isto não é inocente. É este o valor que serve de referência para os salários, as pensões e reformas, as prestações sociais, os escalões do IRS e tantas outras matérias em que o Governo se prepara para aplicar aumentos bem abaixo do aumento do custo de vida, esbulhando assim, mais uma vez, os trabalhadores e o povo do seu justo rendimento.
Confrontado com a questão, o Ministro das Finanças prometeu estudá-la, mas, até agora, nem mais uma palavra sobre o assunto. Também o Sr. Primeiro-Ministro, hoje, aqui, fugiu à resposta.
Daqui desafiamos o Governo a adoptar como referência, pelo menos, o valor real da inflação apresentado pelo INE e a abandonar esta retorcida estratégia de, com base em valores comprovadamente subvalorizados, dar mais uma machadada nos rendimentos dos trabalhadores e dos reformados, bem como nas prestações sociais.
Mas não se pense que os artifícios ficam por aqui.
É igualmente o caso da transferência para empresas públicas de parcelas fundamentais da despesa do Estado — como acontece, por exemplo, em relação à Estradas de Portugal —, verbas que passam a escapar, no fundamental, ao controlo democrático da Assembleia da República e que mascaram os níveis do défice apresentado.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, este Orçamento é um instrumento decisivo naquela que tem sido uma das traves mestras da política deste Governo: a alteração da configuração e do papel do Estado.
Trata-se de retirar o Estado e de reduzir a sua intervenção em sectores sociais e económicos fundamentais, de entregar ao sector privado o controlo de aspectos essenciais da vida e da economia do País, de um crescente controlo financeiro centralizado que atropela princípios constitucionais de descentralização e autonomia — é o caso das finanças locais e regionais — e de desmantelar a Administração Pública.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Este é o Orçamento que consubstancia a política de redução economicista dos serviços de saúde, que entrega crescentemente ao sector privado a prestação de cuidados e está a causar já uma «sangria» de quadros qualificados de algumas das já depauperadas unidades públicas. É o Orçamento já inspirado na proposta do Governo para a segurança social, restritiva de direitos e que recupera a estrutura da lei de bases de Bagão Félix.
É o Orçamento que ataca fortemente o ensino, com a perspectiva de despedimentos de professores e encerramento de instituições e estabelecimentos de ensino a todos os níveis.
É o Orçamento da redução absurda, de mais de 445 milhões de euros, das dotações dos vários serviços da Administração Pública, visando obrigar coercivamente à colocação de trabalhadores na «prateleira» dos supranumerários, agora chamada mobilidade especial, ao mesmo tempo que se entregam cada vez mais serviços públicos a interesses privados.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tão atento à experiência europeia, quando se trata de invocar modelos a seguir (e aqui ouvimos alguns exemplos, da Finlândia, da Suécia, da Espanha, etc.), em encenadas exibições propagandísticas, este Governo não vê que muitos dos constrangimentos orçamentais dos outros países se ultrapassaram essencialmente pelo crescimento das suas economias.
Na verdade, Portugal será, em 2007, praticamente o único país da zona euro, senão o único, que não reduz o défice em resultado do seu insuficiente crescimento económico.
É hoje cada vez mais evidente — e a realidade recente de outros países confirma-o — que a superação dos nossos problemas está, como temos defendido, não no corte «cego» das despesas das funções sociais e