I SÉRIE — NÚMERO 20
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Por último, mas não menos importante, esta proposta de referendo é uma criação politicamente assistida pela direita mais conservadora, que teima em mergulhar a sociedade portuguesa nas trevas da ignorância e das falsas certezas.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Orador: — Uma direita que instrumentaliza o direito à vida e o contrapõe à vida com direitos; uma direita que manipula a vida humana e a opõe à pessoa humana; uma direita que prefere o atraso ao progresso; uma direita que estacionou e vive no passado.
Se fosse vivo e tivesse sido português, o inquisidor Torquemada estava bem entre os mandatários desta petição.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Assembleia da República uma petição, com mais de 68 000 assinaturas recolhidas, a exigir um referendo sobre uma lei já aprovada pelo Parlamento. Faz-nos lembrar a situação do referendo sobre o aborto, só que aí, infelizmente, a intenção referendária levou a sua avante, conseguindo a manutenção criminosa da lei penal, que tanto penaliza as mulheres portugueses, condenando-as à marginalidade, à vergonha, ao ultraje, à mutilação e à morte.
Neste caso, a intenção de realizar o referendo veio mais tarde, tendo sido entregue no momento em que o processo legislativo já estava praticamente concluído, pelo que, inexistindo projecto de lei pendente sobre o qual pudesse exigir o referendo, caiu-se num processo pouco comum — salvo o devido respeito por doutas opiniões contrárias ou as boas intenções respeitáveis — de chamar os peticionantes a corrigir a sua proposta a fim de que esta não se perdesse, o que nos levanta sérias reservas.
Contudo, Os Verdes querem afirmar aqui que tiveram ocasião de defender a premente necessidade de legislar sobre esta matéria aquando da sua discussão e votação, que apoiámos, apesar de termos lamentado, na altura, que faltasse a coragem de não ceder a concessões retrógradas e unívocas do modelo familiar tradicional, não reconhecendo a legitimidade da diversidade de modelos familiares hoje existentes na nossa sociedade e que a mesma já sanciona, com toda a legitimidade, e cujos cidadãos não deveriam ter sido excluídos do acesso às técnicas de procriação medicamente assistida.
Sr. Presidente, era isso mesmo que estava em causa com a aprovação, no dia 25 de Maio deste ano, da actual lei — a consagração de um direito de acesso a técnicas que o conhecimento científico disponibilizou à humanidade e que por mera falta de legislação e de regulamentação, aliás, em desrespeito pela imposição constitucional, estava arredado das portuguesas e dos portugueses que dela podiam e deviam beneficiar para combater o drama que constitui o problema da infertilidade, problema de saúde de proporções crescentes e cada vez mais preocupantes.
Depois de um processo moroso, ponderado e para o qual concorreu uma alargada audição de múltiplas entidades, amplamente participada, já temos a lei. Falta regulamentá-la e falta que os serviços de saúde tornem essas técnicas acessíveis a todos os que delas careçam, tornando real o que na letra da lei é apenas mera possibilidade. Nesta matéria, a acessibilidade parece-nos fundamental. É fundamental que este direito não dependa das condições económicas daquelas que dele necessitam. Esta é, aliás, uma matéria susceptível, pela sua própria natureza, de suscitar polémica, de agitar consciências, de levantar temores e receios que, embora compreensíveis e respeitáveis, não devem servir para atrasar a entrada em vigor de um regime que faz falta e que já vem com atraso.
Finalmente, as questões em concreto que os peticionantes pretendem alterar, como se depreende das três perguntas formuladas propostas para referendo, são questões que, independentemente das diferentes posições assumidas por várias entidades e dentro dos vários grupos parlamentares, nos parecem revestir, pela sua natureza técnica, uma extrema complexidade e que dificilmente subsumirão o regime legal do referendo, onde se reduzem a uma mera questão de resposta «sim» ou «não».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Orador: — Por outro lado, a própria natureza especial do referendo, que não deve ser banalizado, aponta também para a indesejabilidade de submeter esta questão a referendo, razão pela qual não somos favoráveis à aprovação do presente projecto de resolução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, para uma intervenção.