14 DE DEZEMBRO DE 2006
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aconteçam, sejam detectados e, sendo detectados, sejam julgados e, se for caso disso, punidos. Se não houver esse exemplo, isto é, se as pessoas não verificarem que a justiça funciona, então, pouco valerá ao legislador ter leis muito bonitas, que depois acabam por não ser aplicadas.
Assim, o nosso propósito é o de que, naquilo que depende de nós, isto é, da Assembleia da República, não se possa dizer que a Assembleia da República não cumpriu o seu dever no que diz respeito à adopção de mecanismos legislativos eficazes de combate à corrupção. Nesse espírito, estamos inteiramente disponíveis para colaborar neste processo legislativo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: Na abertura deste debate potestativo, o Partido Social Democrata falou da corrupção desportiva, mas falou principalmente da corrupção em geral e, desde então, percebemos que o que aqui está, de facto, em discussão não é a corrupção desportiva em particular mas um debate mais alargado sobre corrupção. É o que temos vindo a verificar da parte de todas as bancadas.
Porém, aquilo para a qual fomos todos convocados, hoje, foi para discutir duas iniciativas, o projecto de lei n.º 320/X, do Partido Social Democrata, e a proposta de lei n.º 108/X, do Governo, que dizem respeito, exclusivamente, à questão da corrupção desportiva. Aliás, nesta matéria, é, sem dúvida, extremamente importante e, em nosso entender, constitui também um interesse público zelar pela lealdade desportiva, pela correcção da competição, pela verdade desportiva e dos seus resultados, pela ética no desporto, bem como pelo respeito pelos direitos humanos, pelo combate à violência no desporto, pelo combate à dopagem no desporto, etc. Estes são valores muito importantes. Esta é a primeira nota que gostaríamos de deixar.
Mas certamente que não é apenas por respeito a estes valores da lealdade e da verdade desportivas que se pretende reforçar a criminalização da corrupção desportiva, criminalizada na lei desde 1991. Tão importante como a lealdade, a verdade e a ética no desporto, é, certamente, o perigo da corrupção — que se esconde atrás da violação ética, altamente reprovável, mas que sozinha poderíamos duvidar que fosse merecedora da tutela penal — que se esconde o verdadeiro jogo de interesses, uma teia de interesses económicos ilícitos que fazem parte de um problema mais complexo da corrupção em geral cujos tentáculos, em certas situações, chegam a imiscuir-se, inclusivamente, no próprio poder político.
É certo que o fenómeno da corrupção é extremamente complexo, verdadeiramente tentacular e atinge diferentes sectores da sociedade, proliferando, especialmente, em zonas onde há falta de transparência e de controlo e, principalmente, onde existem interesses económicos avultados, provocando toda uma economia subterrânea e minando as próprias bases do nosso Estado de direito democrático. Quando chega ao poder político ou à Administração Pública debilita a sua credibilidade, corrói a confiança dos cidadãos em relação ao fundamental respeito pela legalidade e pelos princípios da imparcialidade e da igualdade, a que estão fortemente vinculados.
Não pudemos deixar de reparar que a bancada do Partido Socialista disse que desde 1991, altura em que se tipificou um conjunto de novos crimes ligados à corrupção desportiva, apenas um caso foi julgado e chegou à condenação, o que nos traz para o problema que deve estar em cima da mesa, que é o de saber se a tipificação de novos tipos criminais ou a musculação penal configurada pelo agravamento de normas terá, ou poderá ter, algum efeito dissuasor, se é que este deve ser um fim da pena a ter em conta, neste caso. Ou se não seria, pelo menos, tão importante apostar na prevenção da corrupção que, quer no projecto de lei do PSD, quer na proposta de lei do Governo, quer no actual Decreto-Lei, merece apenas um singelíssimo artigo, propondo acções de formação e de sensibilização no mundo do desporto, não acrescentando nada de novo ao que já existe, pelo que, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, não foi só o PSD que andou a copiar do actual Decreto Lei.
Certamente que seria fundamental, para além de apostar na prevenção de uma forma mais séria, garantir, também, os meios necessários, os meios materiais, os meios técnicos, os meios humanos, a formação e o respeito pelos órgãos policiais, a resolução dos problemas concretos, a articulação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária ou a adopção de medidas concretas visando caminhar definitivamente no sentido da adopção de um conjunto de medidas necessárias para responder às críticas e às falhas que o relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção, do Conselho da Europa, levantou e que, em resumo, colocou o dedo no ponto nevrálgico, que é o facto de Portugal não ter uma estratégia global de combate à corrupção.
Neste cenário, os resultados tardam em aparecer. A esmagadora maioria dos inquéritos não chegam sequer a julgamento, as sentenças são raras, designadamente no que toca aos megaprocessos, que se arrastam por anos a fio num sistema em que as prescrições campeiam.
Daqui se pode dizer que qualquer das iniciativas, trazendo inovações, mantém, no essencial, o regime material já existente, acrescentando pouco ou, naquilo que acrescentam, temos dúvidas de que venham contribuir decisivamente para erradicar a corrupção desportiva.