DEZEMBRO DE 2006
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institucional que não permite que a Europa fale a uma só voz, sem se preocupar com o facto de que essa voz pode não representar os interesses, os desejos e as aspirações dos povos da União Europeia.
Mesmo que aqueles não se sintam representados, nem se revejam nas políticas prosseguidas pelos órgãos da União, nem concordem com as suas orientações, mesmo que vejam os seus direitos paulatinamente ser postos em causa em nome da competição pela supremacia económica e de prestígio na cena internacional, em nome de uma Europa mais coesa e mais eficaz nas decisões mas menos coesa, regional e socialmente, e menos capaz de responder aos problemas e às necessidades internas da generalidade dos cidadãos dos Estados-membros, o rumo está traçado e não passa por um olhar crítico para dentro, analisando onde é que se está a falhar, que erros foram ou estão a ser cometidos, o que é que deve ser mudado para inverter este caminho de progressivo divórcio entre as instituições e as pessoas.
Não, Srs. Deputados! Infelizmente, o caminho que está traçado passa, única e simplesmente, por estudar a melhor maneira de convencer os cidadãos europeus, certamente com recurso às melhores estratégias de marketing, que querem a Constituição europeia, que precisam da Constituição europeia, que não há melhor caminho do que aquele apontado pela Constituição europeia e que não há outra alternativa.
E esse é o caminho que vai ser prosseguido, com prioridade, e a toda a velocidade, pela presidência portuguesa, pois o Governo até já se arroga o direito de afirmar, pela voz do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, como se já tivesse havido um referendo e os portugueses já se houvessem pronunciado, que Portugal apoia o tratado constitucional…! É profundamente lamentável! Mas não só, pois, ainda de acordo com o projecto de conclusões, e se este se confirmar, há um outro ponto que será enxertado na ordem de trabalhos inicial, de forma quase discreta, apelando a um debate aprofundado sobre a flexigurança, durante a Cimeira Social Extraordinária, em Outubro do próximo ano, em plena presidência do nosso país.
Estranhamente, ou não, o tema da flexigurança é introduzido no ponto da agenda referente a «inovação tecnológica, energia e alterações climáticas». Tem tudo a ver, não se está mesmo a ver?!... À falta de melhor, uma vez que não era possível encaixá-lo nem no alargamento, nem nas relações externas, poderiam, pelo menos, ter ensaiado a sua inclusão no ponto referente a «segurança, liberdade e migrações», já que é a segurança do direito ao emprego e ao trabalho que é posta em causa, uma vez que é a total liberdade para poder despedir sem qualquer justificação que se pretende instalar, satisfazendo os que defendem a desregulamentação e a desprotecção dos trabalhadores, o que, naturalmente, vai condená-los a uma eterna migração, de emprego em emprego, circulando não livremente mas obrigatoriamente dentro do seu país e de Estado-membro para Estado-membro, reduzido à condição de uma qualquer mercadoria sujeita às leis da oferta e da procura, sem direito à estabilidade, com prejuízo para a vida familiar e a inserção social, os novos nómadas do século XXI, recolectores de salários.
Mas não! Afinal, a flexigurança não é, pelos vistos, encarada como uma questão social e laboral; é, antes, encarada como uma questão de inovação — «inovação tecnológica», certamente, na visão tecnocrática e desumana da tirana eficácia competitiva no mercado global…! De mercado principalmente se fala, mais uma vez, no que toca ao tema da energia e das alterações climáticas.
Não é possível pretender mudar realmente a nossa realidade de dependência extrema e de ineficiência gritante a nível da energia, com reflexos ambientais, económicos e sociais extremamente graves, quando as medidas se limitarem a andar ao sabor dos grandes interesses económicos e onde estes mostram vontade de investir, independentemente de uma estratégia nacional que compreenda que a sustentabilidade ambiental pressupõe sustentabilidade social, que coloque o Estado a assumir as suas responsabilidades públicas, designadamente numa política de promoção do transporte colectivo público, atacando o problema da dependência do petróleo e das emissões de gases com efeito de estufa.
Não é igualmente possível encarar o combate às alterações climáticas colocando no centro da discussão uma pretensa essencialidade do mercado do carbono global, como o faz o projecto de conclusões do presente Conselho Europeu.
Os Verdes, reconhecendo a importância fundamental do Protocolo de Quioto e do cumprimento desse compromisso internacional, reafirmam que os princípios e os objectivos de Quioto não se cumprem principalmente através do mercado de carbono nem com o recurso, por regra e norma, ao sistema da compra e venda de emissões.
Quioto cumpre-se adoptando políticas e medidas que reduzem internamente a emissão de gases, que apostam na poupança e na eficiência energética. O mercado do carbono serve apenas para gerir a incapacidade de prosseguir esses objectivos através de um sistema de multas aplicadas aos prevaricadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom seria que o Governo português e os restantes governos da União Europeia reflectissem para onde caminhamos. É porque a ideia de uma Europa mais forte não vale por si só! É preciso saber para quê e como é que se vai usar essa força e à custa de que sacrifícios e de que retrocessos sociais é que ela se consolidará.
Não basta defender políticas comuns, seja na energia, na agricultura ou na regulação laboral! É preciso conhecer, analisar, discutir os conteúdos dessas políticas antes de defender a adesão às mesmas.
Não basta aperfeiçoar, no sentido da celeridade e da eficácia, o mecanismo de decisão, se estas não responderem aos problemas das pessoas, se não procuram o seu envolvimento crítico e activo e se se limitam