I SÉRIE — NÚMERO 27
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O que o Sr. Ministro disse é que deseja um alívio da carga fiscal, se possível, só quando tiver margem de segurança suficiente.
Um Ministro das Finanças não pode fazer esta afirmação em vão. Então, é preciso perceber: se não é 2010, quando é que é? É durante esta Legislatura? O Sr. Ministro não pode sair hoje deste Hemiciclo sem deixar esta matéria perfeitamente clarificada para os portugueses e também para os Deputados presentes, antes de concretizar o seu desejo de se calar sobre a matéria.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desde o momento da sua aprovação, o Pacto de Estabilidade e Crescimento tem percorrido um caminho de cegueira e de teimosia. O Pacto, que Romano Prodi, um dos seus defensores, chegou a designar como «estúpido», tem amarrado o debate político a um falso consenso sobre as políticas económicas, sociais e laborais na Europa.
Em Portugal, a política do Pacto de Estabilidade e Crescimento atingiu, até hoje, o contrário de todos os seus objectivos: o défice público tem crescido, o desemprego tem aumentado e Portugal atravessa o período de estagnação mais prolongado das últimas décadas.
Ficamos agora a saber que o Programa de Estabilidade e Crescimento prevê uma poupança de 950 milhões de euros em despesas com o pessoal. No entanto, aquando da discussão do Orçamento do Estado, a poupança ficava-se apenas pelos 300 milhões de euros. Afinal, é caso para perguntar em qual dos valores se baseia o Governo. Ou será que este Governo, à semelhança de anteriores, tem números diferentes para a Assembleia da República e para a Comissão Europeia? O Governo não pode continuar a adiar e a iludir a resposta que os portugueses reclamam. Como vai ser conseguida essa redução? Nos últimos tempos, o Partido Socialista tem acusado o PSD de querer fazer despedimentos massivos na Administração Pública. Ou seja, o Governo acusa o PSD de querer fazer às claras o que o Governo quer fazer de forma encapotada, isto é, os mesmos despedimentos massivos mas com uma breve passagem por uma qualquer «prateleira». E tudo isto é feito a «olhómetro».
O Ministério da Agricultura divulgou hoje os seus números. Outros certamente se seguirão, sem que os estudos, mil vezes prometidos e mil vezes adiados, sejam apresentados e conhecidos por esta Assembleia.
O Governo aprova uma reforma da Administração Pública feita da pior maneira: sem estratégia, sem perspectivas, sem soluções para os milhares que, a prazo, certamente serão lançados no desemprego.
Sobre a questão do desemprego, aliás, era difícil um governo ser menos ambicioso.
O Governo apresenta uma meta de pouco mais de 1% para a diminuição do desemprego até 2010. Longe, muito longe, vão os tempos das promessas que encheram as praças públicas deste país, durante a última campanha eleitoral.
Toda a pressa, todo o autoritarismo na implementação destas medidas se transforma em cautela e deferência quando se trata, simplesmente, de chamar à legalidade os contribuintes mais faltosos do País, mas Portugal continua a assistir ao avolumar dos lucros da banca e à contínua impunidade de quem não paga o que deve. Ainda assim, o Governo atreve-se, nesta Assembleia, a dizer que vai ser preciso algum tempo para chegarmos à tolerância zero em matéria fiscal.
É assim este Governo: todo rigor com os beneficiários do rendimento mínimo garantido, com os cidadãos portadores de deficiência, com os utentes do Serviço Nacional de Saúde, com os reformados e pensionistas, com os contribuintes que reclamam; todas as facilidades para a banca e as grandes empresas. A grande fatia da fraude e da evasão fiscais continuará, assim, por resgatar.
Durante o debate sobre o Orçamento do Estado, o PS anunciou a sua disponibilidade para debater, em sede de especialidade, a sua posição sobre o segredo bancário. No presente documento, reencontramos a mesmíssima posição de desistência, de condescendência para com a grande fraude e a grande evasão fiscal.
A verdade é que nem o Pacto de Estabilidade e Crescimento, por muito estúpido que seja, obrigava a que fosse assim.
Na Administração Pública, na fiscalidade, na política económica, tudo poderia ser diferente se houvesse a coragem, tantas vezes proclamada e nunca concretizada, de afrontar os verdadeiros interesses instalados. Mas não é porque o Governo desistiu que o Bloco de Esquerda o irá fazer. Não deixaremos de nos bater, em todos debates, em todos os combates, pela necessária mudança desta política.
É nesse sentido que queremos lançar um desafio ao Governo. Um desafio que exige um mínimo de coragem mas que, certamente, terá resultados de enorme impacto e importância: o levantamento do segredo bancário, para livre acesso e fiscalização pela administração fiscal. Existe hoje um consenso alargadíssimo, nesta Assembleia, sobre esta medida concreta e são inúmeros os fiscalistas que a têm advogado e a própria OCDE já a recomendou aos seus Países-membros.
Todos sabemos que esse instrumento é fundamental para qualquer estratégia séria de combate à fraude e evasão fiscais. O Governo também o sabe, porque o tem utilizado abundantemente para combater a pequena fraude. O nosso desafio é simples: usem também este instrumento para combater a grande fraude.