I SÉRIE — NÚMERO 34
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Hoje, torna-se claro quem quer descobrir a verdade e quem tenta manter a opinião pública e a verdade na penumbra.
Hoje, descobrimos quem, por subserviência aos Estados Unidos da América, impede a descoberta da verdade e se presta a um papel vergonhoso, de encobrimento das actividades criminosas da CIA, em Portugal.
Da nossa parte, os portugueses podem contar com a luta e o combate contra a tortura e a violação dos direitos humanos, sejam eles praticados por quem for, seja em que país for.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não há pedidos de esclarecimento?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — «Calados como ratos!»
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A bancada do Bloco de Esquerda pronuncia-se claramente a favor da criação de uma comissão parlamentar de inquérito aos voos secretos da CIA, proposta pelo PCP, por várias razões.
Em primeiro lugar, porque, ao contrário do que já hoje ouvi dizer a Deputados do PSD e do PP, com manifesta falta de rigor, a Assembleia da República não procedeu, em momento algum, até agora, a qualquer tipo de inquirição sistemática sobre este assunto.
O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Não é verdade!
O Orador: — Ouviu as versões dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, ouviu, também, as versões de três entidades ligadas ao controlo dos aeroportos e alfândegas e, dessas audições, sobrevivem ainda mais dúvidas, contradições e factos inexplicáveis do que os que já eram conhecidos.
Em segundo lugar, porque o Governo em momento algum procedeu a uma verdadeira investigação sobre estes assuntos, e ainda menos aceitou promover qualquer investigação independente ou no plano judicial (o que era uma hipótese) sobre eles. Lamentavelmente, o Governo limitou-se a ir respondendo contrariadamente, lacunarmente e nem sempre seriamente às solicitações de terceiros, como se lidasse com assuntos incómodos em que quaisquer estranhas conveniências se sobrepusessem ao superior interesse de averiguar até ao fim toda a verdade em matéria desta importância para o que de mais essencial há na democracia.
Em terceiro lugar, porque há na atitude do Governo do Partido Socialista uma estranha obsessão por justificar, e quiçá encobrir, as eventuais acções ou omissões dos governos de direita que o precederam, sobre cujo período de governação recai o grosso das suspeitas da passagem dos voos ilegais da CIA pelos aeroportos portugueses. Só isso explicará o surpreendente coro do Ministro dos Negócios Estrangeiros do PS e de vários dirigentes e Deputados do mesmo partido com os políticos do PP e do PSD, na torrente de insultos e ataques rasteiros à Deputada europeia do PS, Ana Gomes,…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… cuja irreparável falta, parece, é a de se manter, corajosa e dignamente, mesmo contra os ataques do seu próprio partido, na defesa intransigente do apuramento da verdade — custe a quem custe. Essa é, aliás, a única atitude admissível face à gravidade do que está em causa: a denúncia, sem reservas, nem «mas», das práticas de cárcere privado, de torturas e de transporte de presos, à margem da lei e da justiça, por parte da CIA e com cumplicidades a desvendar em vários países europeus.
Queremos daqui dizer à Deputada Ana Gomes que não a deixaremos só neste seu combate. Para o levar a cabo, pode contar com a solidariedade e a disponibilidade desta bancada. Entretanto, em termos práticos, o que resulta da atitude do Governo é que factos suspeitos e elementos essenciais ao apuramento da verdade continuam a ser sonegados ou, pelo menos, sem ser esclarecidos.
A saber: a lista dos voos de e para Guantanamo, autorizados por Portugal, e o regime em que eles continuam a ocorrer; as listas de passageiros e das tripulações de voos manifestamente suspeitos que, alegadamente, se encontram, umas, na posse do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ou, outras, inexistentes ou desaparecidas; ou ainda o fornecimento de dados indispensáveis ao esclarecimento de outros voos aparentemente suspeitos.
É esse bloqueio de informação essencial por parte do Governo que, neste momento, contribui para impedir o apuramento da prática de violação da legalidade em território português. E só se pode lamentar a deplorável duplicidade de um Governo que lança o ónus da prova de tais ilegalidades para cima de terceiros, ao mesmo tempo que não só se abstém de qualquer atitude pró-activa para esclarecer a verdade como resiste ao seu apuramento.