I SÉRIE — NÚMERO 36
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forma. Referiu-se à questão dos pareceres, que remeto para o que já disse a propósito do pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado Honório Novo, mas ainda a eventuais deficiências de redacção no que respeita a saber se há um programa ou vários, se há um inventário ou vários. É evidente que a lei utiliza aquilo que vulgarmente se designa por substantivos plurais. Quando se fala no programa de gestão do património do Estado, é evidente que há vários programas. O que sucede é que no Estado há um programa, em cada região autónoma há um programa e em cada autarquia local há um programa, e é deles que estamos a falar! Quanto à legislação complementar, não está em causa uma subautorização legislativa. O que está em causa é o reafirmar do compromisso do Governo, já por diversas vezes assumido, segundo o qual, para além da definição do regime geral e comum dos bens do domínio público, devem também ser oportunamente apresentadas iniciativas legislativas no que respeita ao domínio próprio dos vários domínios públicos especiais. De facto, se em alguns casos temos legislação recente, há, como disse há pouco quando apresentei o diploma, muitas áreas que são lacunares. Ora, é precisamente essas lacunas que importa preencher, dotando o nosso ordenamento jurídico de um quadro legal coerente sobre os bens do domínio público, tanto no plano geral como ao nível dos vários domínios públicos especiais.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — O Sr. Secretário de Estado não respondeu às minhas preocupações!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, permita-me que, sendo esta a minha primeira intervenção no ano 2007, felicite toda a Câmara na pessoa de V. Ex.ª, desejando um bom ano a todos os Srs.
Deputados.
Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: Na revisão constitucional de 1989, o PCP, imagine-se, sentiu a necessidade de, inspirado no artigo 49.º da Constituição de 1933, incluir no seu projecto uma proposta de introdução, na Constituição de 1976, de norma relativa ao domínio público.
Se tivermos presente o ambiente político da época, percebemos que tal proposta era natural e estratégica, vinda de onde vinha. Tratou-se de uma forma de assegurar um travão último e de levantar uma barreira a ímpetos privatizadores que se avizinhavam, não sendo por acaso que a disposição constitucional que se ocupa do domínio público precede imediatamente a norma que veio a pôr termo à irreversibilidade das nacionalizações.
Participei activamente nesse processo de revisão e também já então — dir-se-á que a cada qual as suas guerras — me bati pela alteração do que vinha proposto, por excessivamente estatizante e centralista, pondo em causa direitos já conferidos às regiões autónomas quanto ao domínio público regional e à integração neste do domínio público do Estado sito nas regiões, excepção feita ao inerente à própria soberania.
Foi possível, porém, chegar a um consenso e penso que, de uma forma geral, todos ganhámos as guerras em que nos havíamos empenhado neste ponto particular da revisão constitucional de 1989. O PCP conseguiu mesmo, avançando em relação à Constituição de 1933, incluir no domínio público as grutas, como conseguiu consagrar constitucionalmente o domínio público aéreo e o mineral (subterrâneo), introduzindo limites materiais à propriedade fundiária e comprimindo, de uma vez por todas, como lembram Gomes Canotilho e Vital Moreira, a concepção absoluta da propriedade sem limites verticais, que ia «desde o inferno ao céu».
Só que o constituinte, ou, melhor, a Constituição, deixou nesta matéria tarefa importante para o legislador ordinário. Efectivamente, o n.º 2 do artigo 84.º da Constituição estabelece o seguinte: «A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.» Ora, tirando as normas dos estatutos político-administrativos relativas ao domínio público regional e as leis relativas ao domínio hídrico, passados 18 anos subsiste no nosso ordenamento jurídico grave lacuna que tarda a ser suprida.
Diga-se, porém, que não o é, como seria desejável, por via da proposta de lei n.º 103/X agora em discussão, além do mais porque está causa uma mera lei de autorização legislativa.
Mas não é apenas por isso. É também porque se relega para depois o que devia ser apresentado em conjunto, como visão e solução integral de uma matéria que tem de tanto importante quanto de delicado.
Por isso, antes de mais, e ainda que tal não seja constitucionalmente exigível, a verdade é que a matéria em causa na presente autorização legislativa deveria ser objecto de lei material. Nada impede, aliás, regimental e constitucionalmente, assim haja vontade política do Governo e da maioria, que se transforme, baixando a lei à comissão competente, o diploma em lei material.
Ganharíamos na visão de conjunto e nas soluções integrais e coerentes que matérias como esta necessariamente exigem, se o Governo apressasse a apresentação dos diplomas que refere, de forma equívoca, como «as iniciativas legislativas necessárias», sob a não menos equívoca, se não mesmo errónea, epígrafe de «Legislação Complementar», referida no artigo 27.º do projecto de decreto-lei autorizando, que anexou à