I SÉRIE — NÚMERO 36
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Para além destes elementos de princípio, é igualmente de destacar uma outra intenção que preside à apresentação desta autorização legislativa e que tem a ver com a introdução de obrigações, de metodologias e de instrumentos destinados à inventariação regular do património público e à sua actualização obrigatória.
Mas, Sr. Secretário de Estado, se todos estes aspectos são positivos e merecem o apoio do PCP, já nos oferecem muitas dúvidas as normas que referi no meu pedido de esclarecimento e que constam do projecto de decreto-lei, que têm a ver com a possibilidade da apropriação privada do uso e fruição dos bens do domínio público ou da sua gestão e exploração.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — O direito consagrado pelo uso comum ordinário e extraordinário que consagra o acesso público ao usufruto ou à fruição destes bens pode ser — e será, certamente, em boa medida — pervertido pela possibilidade, em princípio completamente não condicionada ou limitada, da transferência do uso e da exploração e gestão desses bens para o domínio privado.
Não aceitamos que as melhores zonas litorais ou as mais apetecíveis margens fluviais — enfim, Sr.
Secretário de Estado, as muitas Troias em que este país é fértil — possam ser apropriadas ou concessionadas a privados, impedindo-se e proibindo-se o uso público desses bens aos portugueses, isto é, impedindo o acesso aos verdadeiros proprietários dos bens do domínio público, como bem referiu a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
Não aceitamos a proliferação de praias privativas incluídas em ressorts ou hotéis, que impedirão a maior parte dos portugueses de aceder de forma livre ao oceano, aos rios ou às albufeiras.
Quanto a nós, é este o grande perigo que está por trás das normas positivas e das boas intenções do projecto de decreto-lei incluído na proposta de lei de autorização legislativa.
Teremos de ser claros, Sr. Secretário de Estado: ou a proposta de lei de autorização legislativa é expurgada destas orientações que permitem a apropriação e exploração privada dos bens do domínio público, ou a proposta de lei de autorização legislativa garante, de facto, o acesso permanente e normal dos portugueses ao património público, que lhes pertence de direito, ou, então, o Governo não pode contar claramente com qualquer apoio do PCP quer a esta proposta de lei de autorização legislativa quer a qualquer decretolei a que ela dê origem.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.
A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Devo dizer que a defesa denodada que a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho fez do valor, do significado e da importância do domínio público do Estado, enquanto património, que é uma riqueza de usufruto colectivo, é justamente aquilo que precisamos de colocar no centro das nossas preocupações.
E é justamente por partilhar dessa sua valorização do domínio público do Estado que preocupa o Bloco de Esquerda a forma ligeira como o Sr. Secretário de Estado responde à questão absolutamente central de clarificação do texto que vem associado ao pedido de autorização legislativa em relação à necessidade de ter normas que sejam absolutamente clarificadores da forma como é feita a gestão deste domínio público do Estado.
Sr. Secretário de Estado, em relação à resposta à questão que lhe coloquei inicialmente, devo dizer-lhe que não existem respostas óbvias quando se trata de defender aquilo que é património do Estado. Não existem respostas óbvias porque tem de ficar absolutamente claro como é que se propõe, em relação a uma alteração à lei que o Governo tenciona introduzir, regulamentar modos, formas e regras de desafectação e como é que, no fundo, se propõe clarificar a conferência de títulos de utilização ou de concessão privativa de acordo com a multiplicidade de bens que temos e que, no fundo, devem beneficiar de estatutos diferenciados, conforme a sua natureza própria.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, a sua presunção de «óbvio» só leva a leis que permitem todos os abusos a coberto destra falta de clareza, supostamente ao abrigo do «óbvio».
Por isso, Sr. Secretário de Estado, isto que o Governo nos apresenta como um pedido de autorização legislativa não pode ser por nós aceite enquanto tal. Queira o Governo transformá-la numa proposta de lei material melhor trabalhada, que resolva, por exemplo, o problema da fronteira entre as áreas de competências específicas do Estado central e das autarquias locais. Aliás, não me parece que seja por acaso que o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses está ausente no conjunto de pareceres que aqui nos foram trazidos.
É que, na verdade, existe uma zona de penumbra na fronteira de competências ao nível destes regulamentos que referi que é perturbadora da relação entre os órgãos do poder local e os órgãos do poder central, como muito bem ficou claro quando da venda das casas dos guardas florestais, em que muitas freguesias se interpuseram, levando ao conflito entre as perspectivas de gestão do Estado central e as perspecti-