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I SÉRIE — NÚMERO 36

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so que estamos há 18 anos para o fazer. Como se percebe, a moratória que o Governo pretende ter até Junho de 2007 para elaborar a demais legislação indevidamente designada de complementar. Mais vale esperar, aguardando que venham as demais propostas de lei e fazermos aqui uma lei material que regule integralmente, num só diploma, quanto o legislador constituinte incumbiu o legislador ordinário de fazer. Tal solução afastaria, aliás, dúvidas quanto à satisfação, por parte da presente proposta de lei, das exigências constitucionais no tocante à fixação do âmbito da autorização legislativa.
Assim, por exemplo, em nenhum lado da autorização legislativa se consente que o Governo preveja como agravante da responsabilidade financeira o incumprimento dos deveres legais neste domínio. A verdade, porém, é que o artigo 26.º do projecto de decreto-lei prevê esse agravamento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de legislar nesta área é óbvia e o domínio público é uma vertente da maior importância para a realização dos interesses colectivos a nível dos vários patamares da Administração.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Trata-se de um domínio que exige transparência, gestão rigorosa, aproveitamento útil e adequada conservação, numa visão moderna do património público, adaptada à realidade actual e perspectivada para o futuro. Estamos a fazê-lo tarde, mas já agora, e ao menos, que o façamos bem! É esse apelo que aqui deixo ao Governo e à maioria!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos aqui a falar de 18 anos — a partir da Constituição de 1989 — em que leis importantes para definir os bens que integram do domínio público do Estado e o regime e condições da sua utilização não foram promulgadas. Estamos aqui a falar de lacunas que se vão mantendo.
Parafraseando um chefe índio, eu diria que os bens do domínio público do Estado foram-nos emprestados em herança pelos nossos antepassados para os usufruirmos, os valorizarmos e os transmitirmos às gerações futuras, portanto não se compadecem com estas lacunas.
Joseph Stigliz, Prémio Nobel da Economia, denuncia, no seu último livro, as consequências catastróficas que podem advir para um país pelo facto de as contas públicas ou nacionais não terem em conta o seu stock de recursos naturais e patrimoniais.
Num país produtor como a Nigéria — diz ele —, a venda do petróleo é contabilizada como uma receita, sem que nunca se tenha em conta a perda e por vezes o esbanjamento de recursos, que se esgotam por serem finitos. Quanto mais petróleo vender, menos petróleo terá para o futuro. E, se as receitas assim criadas forem consumidas sem uma política de investimento, o país ficará cada vez mais pobre.
Em sentido inverso, a Noruega constituiu um fundo de investimentos que absorve grande parte das receitas do petróleo e visa garantir receitas para o país quando o petróleo estiver esgotado.
Não contabilizar nem, sequer, inventariar o património constitui não só uma prática enganadora no que respeita ao erário público como conduz, inevitavelmente, a uma má gestão de recursos.
Aos particulares, às famílias, às empresas, não ocorreria não contabilizar os activos, os bens mobiliários e imobiliários que significam, no fundo, a riqueza disponível. Todos sabemos que uma família que detenha um vasto património e não o saiba gerir vai perdendo a sua riqueza. São conhecidas as histórias de gerentes que enriquecem enquanto os bens geridos valem cada vez menos ou até da falência rápida daqueles que vivem consumindo o produto da venda do seu património.
E, no entanto, o Estado não tem traduzido nas suas contas o património de que dispõe. A não aplicação do POCP é apenas um pequeno exemplo disso. Por isso não se pode saber se ele vem aumentado ou diminuindo, nem se consegue avaliar se é bem gerido.
Obviamente, esse património é, por vezes, difícil de contabilizar. Quanto pode valer a Torre de Belém ou a praia de Caparica? Essa dificuldade não impede que se possa avaliar grande parte dos imóveis que o Estado possui.
Nada justifica que os serviços da administração directa ou indirecta do Estado, as regiões autónomas ou as autarquias não tenham o registo de todos os bens de que são titulares. Nada justifica que o uso desses bens não se encontre inequivocamente definido nem que persistam utilizações não tituladas ou abusivas.
Não é aceitável que terrenos do Estado revertam para particulares por usucapião ou por falta de zelo das administrações; não é aceitável que as administrações públicas concedam a administração do domínio público sem que sejam claramente fixados os prazos, a sua recondução ou não, o preço e as obrigações do concessionário; não é aceitável que se deixem apodrecer e enquistar situações de facto e equívocas, que, depois, para serem resolvidas, implicam que o Estado pague, com os nossos impostos, indemnizações avultadas; não é aceitável que se construam imóveis, como aqui perto, acrescentando ao terreno privado parte da via pública, prejudicando o trânsito ou o estacionamento.