13 DE JANEIRO DE 2007
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proposta de lei em discussão. Na verdade, qualificar em decreto-lei como legislação complementar do mesmo diploma as leis que definem, em cumprimento de imperativo constitucional, «as categorias de bens pertencentes ao domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais e as regras que lhes sejam especialmente aplicáveis», constitui, em nosso entender, uma inversão da hierarquia e da cronologia com que, política, constitucional e legislativamente, deve esta matéria ser ordenada.
Desde logo, o próprio enunciado constitucional é exactamente inverso. Efectivamente, o n.º 2 do artigo 84.º da Constituição refere em primeiro lugar que a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias. E só depois refere a regulamentação do seu regime, condições de utilização e limites. Tinha, pois, todo o sentido que assim se procedesse e não se fizesse o contrário, como fez o Governo, pondo, de certo modo, o «carro diante dos bois». No limite, tratar-se-ia de uma coisa e outra em simultâneo e, preferencialmente, numa só lei, ganhando-se em clareza, certeza e coerência normativa.
Naturalmente que importará sempre salvaguardar o respeito pelo que, no tocante ao domínio público regional, está contido nos estatutos político-administrativos de ambas as regiões. Também neste particular esta inversão de caminho que a presente proposta de lei abriu tem os maiores inconvenientes.
Para ver que assim é, basta ter presente os pareceres da Assembleia Legislativa da Madeira, do Governo Regional da Madeira e o estranhamento desaparecido parecer do Governo Regional dos Açores, que não é conhecido por qualquer das duas Comissões envolvidas neste processo legislativo, a do Poder Local e a do Orçamento e Finanças, e, por isso, não é mencionado em qualquer dos doutos pareceres elaborados no âmbito daquelas Comissões.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Já apareceu, finalmente!
O Orador: — Por isso, vale a pena ler aqui alguns extractos do parecer do Governo Regional dos Açores, desta vez em sintonia com o parecer do Governo Regional da Madeira, mas completamente desafinado em relação ao parecer da Assembleia Legislativa dos Açores, o qual, dada a sua exiguidade, não chega a ter qualquer alcance crítico.
Vejamos, então, no fundamental, o que refere o Governo Regional dos Açores nas suas conclusões: «Nestes termos, o Governo Regional dos Açores é de parecer negativo à inclusão dos imóveis do domínio público das Regiões Autónomas na presente proposta de lei, uma vez que: a) Não trata exclusivamente bens que integram o domínio público necessário do Estado; b) O Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma pode conter regras relativas aos imóveis do domínio público que estejam abrangidas pela reserva de competência legislativa relativa da Assembleia da República; c) Nesta matéria, quando apenas estejam em causa poderes que não sejam susceptíveis de afectar a autoridade suprema do Estado, admite-se que a gestão dominial deva ser exercida pelos órgãos de governo próprio; d) É, igualmente, o Estatuto Político-Administrativo o âmbito adequado para a enumeração exemplificativa dos bens de domínio público da Região, onde naturalmente se devem incluir os bens imóveis; e) O inventário dos bens imóveis do domínio público da Região é da exclusiva competência dos respectivos órgãos de governo próprio.
Devem, pois, ser expurgadas, da proposta de lei, em apreço, todas e quaisquer referências feitas às Regiões Autónomas, sob pena de inconstitucionalidade material e orgânica (…).» Importa, pois, saber qual é a posição definitiva do Governo sobre esta matéria, porque o âmbito da autorização legislativa terá de reflectir esta questão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não menos delicado neste particular é o domínio público das autarquias, desconhecendo-se também o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses e o da Associação Nacional de Freguesias, que, ao que consta, não foi ainda produzido, por ter sido pedido muito tardiamente pela Assembleia da República. Desde já, adianto que o PSD não está disponível para votar esta proposta de lei antes de conhecidos os pareceres destas entidades, de acordo, aliás, com exigência legal, pelo que esta iniciativa deve baixar à comissão competente.
Assim sendo, também a visão conjunta das soluções normativas desta matéria é essencial. Na verdade, sem lei ou com as que retalhadamente temos, há já hoje, como é constitucionalmente reconhecido desde 1989, três domínios públicos — o do Estado, o das regiões autónomas e o das autarquias. Ora, todos eles têm sido objecto, ao longo dos anos, de diferentes operações e intervenções que implicam o exercício de poderes e competências por parte dos entes públicos titulares desses domínios. Importa, pois, legislar com respeito pelas competências próprias de cada qual e sem beliscar a autonomia política regional e a autonomia do poder local.
Tenhamos presente, por exemplo, as regras de desafectação ou de desapropriação de bens do domínio público, que vem ocorrendo das formas mais diversas: através de diploma legal, de resoluções do Conselho de Ministros ou, mesmo, de simples despachos. Veja-se a observação seca que, en passant, fazem Gomes Canotilho e Vital Moreira quando referem, sem indicarem soluções que: «Problemática é a possibilidade de desapropriação de bens do domínio público regional ou local por acto do Estado.» Este é um alerta dos constitucionalistas relativamente ao risco da interferência do poder central em matérias do poder local e da autonomia política das regiões autónomas.
Compreendem-se e reconhecem-se as dificuldades de legislar nesta matéria e, por certo, não é por aca-