15 | I Série - Número: 049 | 16 de Fevereiro de 2007
Esperamos uma maioria muito alargada na aprovação da lei despenalizadora, com liberdade de voto dos Deputados e Deputadas, em consonância, aliás, com as declarações partidárias nesse sentido que precederam a consulta popular.
Há oito anos atrás houve uma clivagem na sociedade portuguesa; hoje, há outra clivagem de sentido oposto. As clivagens são naturais nas sociedades democráticas, quando correspondem a escolhas livremente decididas. Quem não faz vencimento não precisa de declarações institucionais de consolo e muito menos de recurso de amparo no processo legislativo.
O grande consenso que desejamos estabelece-se no combate ao aborto clandestino, na dignificação da mulher, na disseminação sem entraves do planeamento familiar e da contracepção, no apoio à natalidade responsável.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!
O Orador: — É um truque muito velho vir acusar de radicalismo uma alternativa sufragada. Revela apenas intolerância e pressão ilegítima.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!
O Orador: — Espera-se também que o Governo regule rapidamente a objecção de consciência dos profissionais de saúde. As pessoas podem ser objectores de consciência, os serviços não podem. Os prazos têm de ser escrupulosamente cumpridos. A capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde está, pois, sob a vigilância dos cidadãos.
Não desmerecemos a solidariedade europeia neste desfecho e o contributo que estamos a dar para eliminar os últimos redutos de uma legislação odienta, produto do fundamentalismo de uma moral particular, livre, finalmente, para quem a pratica, porque não oprime os outros.
Aplausos do BE.
Foi a Europa dos direitos humanos que aqui avançou. Tomámos valores de civilização que se podem, em conjunto, apresentar ao mundo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A vitória do «Sim» foi o triunfo da razão, do direito e da sensibilidade, foi a expressão de uma ferida social que se quer sarada.
Não admira, por isso, que a campanha do «Sim» tenha sido uma expressão de racionalidade nos argumentos. Aí, nesse debate, perdeu a mentira na manipulação de dados pretensamente científicos, perderam os plumitivos neandertais que nem sequer a lei de 1984 aceitaram, em nome da punição extrema, perdeu a manipulação dos sentimentos religiosos. Mas, destes, dir-se-ia que eram o extremismo conservador, eram apenas o extremismo conservador.
Há, contudo, e de modo muito mais sério devemos analisá-lo, duas derrotas assinaláveis no plano político e social: a da chamada direita liberal e a da instituição da Igreja Católica.
Com a honrosa excepção de várias personalidades que, desta vez, se associaram ao «Sim», o que não é demais realçar pela importância que tiveram, a direita liberal perdeu o pé e o espaço de intervenção, porque durante oito anos foi refém da extrema-direita e foi incapaz de se descolar dela. Enveredou, à última da hora, pelo caminho da batota política, tergiversando sobre a pergunta a referendo e propondo alterações cosméticas à lei penal que nem sequer tiveram a coragem de apresentar na Assembleia da República.
Tempo não lhes faltou, mas nem sequer se moveram, depois de duas falsas partidas deste referendo.
À instituição que, em si próprio, é o Professor Marcelo só posso agradecer ter reconhecido que a despenalização era o centro do debate. A inconsistência das soluções aventadas, bem como os ziguezagues do seu percurso só beneficiaram o «Sim».
Já o Deputado Marques Mendes, portador de outras responsabilidades, deve ser aqui criticado. Disse o líder do PSD, inúmeras vezes, que o PSD não aceitaria alterações à lei penal sem ser através de referendo.
Votou a proposta do referendo e a sua pergunta e, depois, a título individualíssimo, como se viu, veio prometer alterações à lei, em sede parlamentar, caso o «Não» vencesse. O malabarismo, Srs. Deputados, o malabarismo sem princípios não foi recompensado.
A Igreja Católica tem todo o direito de participação e assumiu-o claramente, mas também assumiu, clara e inequivocamente, sem qualquer rebuço, uma posição que a fez regredir ao tempo em que não aceitava o divórcio civil. Ao contrário do que se tenta, hoje, atenuar, a participação da Igreja Católica foi mais intensa em 2007 do que em 1998. A Igreja Católica deve, agora, confrontar-se com o facto de uma parte considerável dos seus crentes não respeitar as suas orientações e entender, justamente, que o plano do Estado não é confundível com o plano do culto. Se a reacção da Igreja Católica acerca de direitos civis actuais ou futuros vem na linha do antilaicismo primário, só pode averbar um ainda maior desfasamento social.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Muito bem!