16 | I Série - Número: 049 | 16 de Fevereiro de 2007
O Orador: — Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda sempre teve uma posição clara acerca da despenalização do aborto. Batalhámos por um referendo, na anterior Legislatura, que a maioria de direita rejeitou. Na actual Legislatura, defendemos uma solução rápida, por via referendária ou em sede parlamentar, se tal não fosse possível. Somámos os nossos votos a todas as propostas de referendo. Não receámos, nunca, o veredicto popular nem nos envolvemos em lógicas de «votos certos ou votos incertos». Ouvimos, em silêncio, críticas erradas, porque nunca quisemos dividir o campo do «Sim» e tudo fizemos pelo seu alargamento a cidadãos de todos os quadrantes políticos.
É-nos, pois, permitido, neste momento, exprimir a satisfação pelas consequências deste processo e, com humildade, garantir o dever cumprido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A oposição à capacidade de decisão da mulher vem do fundo dos tempos, mas, aqui, começámos a fazer um outro tempo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Ainda para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consulta popular do passado dia 11 de Fevereiro, assinalando que devolvia à maioria dos Deputados favorável à despenalização da IVG a conclusão do processo legislativo em curso, constituiu uma grande vitória das mulheres portuguesas, mesmo de muitas daquelas que votaram «Não».
Aplausos do PCP.
Tratava-se de uma questão de liberdades e, por isso, tratava-se de uma questão de vida, já que esta não o será verdadeiramente quando aquelas forem espoliadas. Assim o compreendeu uma parte significativa dos eleitores, que, apesar de bombardeada com deturpações e falsidades de toda a ordem, compreendeu que estava em causa uma questão de política criminal, percebeu que por detrás da campanha do «Não» estavam preconceitos antifemininos, retrógradas ideologias sobre a mulher e sobre a sua própria racionalidade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — Em última análise, por detrás dessa campanha mistificadora estava em causa a negação ao ser humano dos amplos caminhos do conhecimento e da liberdade. Caminhos de que o ser humano nunca desiste, nem desistirá, acompanhando sempre a fala do homem nascido de Gedeão, que proclama «O Universo sou eu».
«Agora Sim!» foi o lema confiante usado pelo PCP durante toda a campanha, que, no dia 12 de Fevereiro, adquiriu mesmo, na primeira página de um matutino, o sentido de alívio perante o fim de uma angústia que transportamos, neste Parlamento, há mais de duas décadas, desde que o PCP apresentou três projectos de lei com medidas sociais e preventivas do aborto, sendo o último deles o projecto sobre a interrupção voluntária da gravidez.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
A Oradora: — «Agora Sim!», respondeu um número significativo de eleitores, de várias classes sociais, que, superando mistificações, entendeu que o aborto é, realmente, a expressão de uma contradição entre o desejo das mulheres e as realidades sociais, económicas e familiares.
Não admira, assim, que tenha sido nas classes sociais que se debatem com maiores problemas sociais e económicos e nos locais com maiores tradições na luta pelas liberdades que o «Sim» tenha tido uma expressão mais significativa. E se dúvidas ainda restassem de que a questão se insere no sistema de exploração que domina o mundo, elas seriam removidas com a posição de reconstituídos grupos económicos de antanho, detentores de unidades privadas de saúde, que, de imediato, anunciaram que, naquelas unidades, não se aplicaria a lei.
Não admira, perante a dimensão do problema, que o «Não» tanto tenha reclamado o afastamento dos partidos do referendo, contra o estatuto constitucional que a estes é reservado — contribuir para a formação da vontade política do povo.
A questão é claramente política! Nada mais político do que um Código Penal.
Não admira que, rapidamente, na mesma noite, logo se tenha ouvido contar as abstenções como votos no «Não», recuperando um certo momento do passado em que as abstenções contaram como votos, numa Constituição de má memória que, aliás, consagrava a discriminação da mulher.
Mas também não admira que, superada uma angústia, tenhamos de afrontar aqueles que, agora, reclamam uma aproximação entre o «Sim» e o «Não», para — dizem — superar fracturas e clivagens.
Desde os remotos tempos do apagamento do feminino, nada há de mais fracturante, nem pode deixar