38 | I Série - Número: 062 | 22 de Março de 2007
ra, e no futuro, à vida das pessoas. E é evidente, Sr. Primeiro-Ministro, que aqui não encontrará nenhuma linguagem de facilitismo, porque concordamos inteiramente com o rigor e a preocupação de rigor no Orçamento. Quero até lembrar-lhe que houve um tempo em que se construíram estádios de futebol, em Portugal, por demagogia eleitoral, e que, hoje, três desses estádios não têm um único jogo. Portanto, o desperdício é bem conhecido e bem rejeitado pelos portugueses.
Mas os portugueses também sabem o que são os discursos da consolidação. Consolida, consolida!… Dizia o Sr. Primeiro-Ministro: «Consolidamos solidamente». Mas, então, esta consolidação sólida, que não responde a estas preocupações, que não dá um sinal, que não dá confiança, que não muda as condições da política económica, tem algo errado. Aliás, os seus números exigem uma resposta.
O Sr. Primeiro-Ministro tinha previsto, para o ano passado, 4,6%; temos, agora, 3,9%. Muito bem! No entanto, a diferença que temos, do ano passado em relação ao que, agora, quer ajustar, baixou de uma exigência de redução de 0,9% para uma redução de 0,6%, que é o que nos propõe agora,…
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Em termos percentuais, Sr. Deputado!
O Orador: — … isto é, de 3,9% para 3,3%. Sr. Primeiro-Ministro, vamos fazer contas.
No Programa de Estabilidade e Crescimento dizia-nos que a redução de salários da função pública seria de 925 milhões de euros, isto é, de 0,7%. Agora, a redução de salários na função pública que quer impor este ano é maior do que o que precisa para ajustar o défice. Vai mudar este objectivo ou vai mantê-lo? A razão para os supranumerários na função pública é o défice ou é uma outra razão para além dessa? É este esclarecimento que, agora, é muito importante, até porque, noutras matérias que não seja a dos supranumerários na função pública, o Governo entende que é sempre muito fácil. Veja o caso da Ota.
A esse propósito, o Sr. Primeiro-Ministro conhece bem a posição desta bancada. O Bloco de Esquerda é inteiramente a favor de que se construa um novo aeroporto internacional. E queremos uma decisão técnica, solidamente fundamentada! Temos reservas quanto à proposta de localização que está em cima da mesa, mas essa decisão tem de ser tomada.
Mas que sorte ter uma oposição de direita como a que tem, Sr. Primeiro-Ministro!… É que há um ponto em que, apesar de tanta divergência e tanta agrura, parece haver todo um grande acordo entre o Governo e a direita, que é a engenharia financeira desta operação, ou seja, a privatização da ANA.
Pensemos em termos de défice: a ANA tem proveitos de 250 milhões e resultados, antes de impostos, de 100 milhões; a ANA, de hoje até à construção do aeroporto, paga 1% do produto em dividendos, em termos de défice. Mas o Sr. Primeiro-Ministro quer privatizar uma empresa que é «mal gerida»? Não! É bem gerida! É muito bem gerida! Funciona! Tem resultados! Porém, quer privatizá-la como condição para esta operação, ou seja, agrava o défice em 1%, com os rendimentos desta empresa que serão perdidos durante estes anos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Acha que o aeroporto é de graça?!
O Orador: — Isto, porque paga impostos, porque tem rendimentos de dividendos. O senhor é accionista ou, melhor, o Estado é accionista e o Governo é o seu representante! Durante 10 anos, até 2017, o Estado perderá 1% do produto e agravará o défice, numa operação, deste ponto de vista, desastrosa.
Segunda questão: o Sr. Primeiro-Ministro disse, ainda agora, que o peso dos impostos, em Portugal, era menor do que na União Europeia. O número é verdadeiro, mas há uma diferença, que o Sr. PrimeiroMinistro também conhece: é que, em Portugal, temos uma inversão injusta do peso dos impostos, ao contrário de outros países e, já agora, ao contrário da boa tradição socialista. São os impostos sobre o consumo que pesam mais na vida das pessoas, e são os mais injustos, enquanto que os impostos sobre o rendimento das empresas ou das pessoas, que são os mais justos, pesam menos.
Portanto, em vez de discutirmos a devolução de 5% do IRC — 1000 milhões de euros — às empresas, talvez fosse preciso discutir o que são os serviços e a qualidade do Estado que é devolvida aos cidadãos, como contributo para a sua democracia.
Sr. Primeiro-Ministro, a verdade é que, no aumento de impostos, temos uma situação única: quando o PSD estava no Governo, não anunciava mas aumentava impostos, e o PS era contra; agora, está o PS no Governo, não anunciou mas aumentou os impostos, designadamente o IVA, e o PSD, que os aumentou quando estava no Governo, agora, é contra, porque está na oposição. Por isso mesmo é que há tantos portugueses que dizem que o PS e o PSD parecem muito sensatos quando estão na oposição, ficam muito bem na oposição, mas, no Governo, fazem o contrário do que dizem na oposição e aumentam os impostos, em particular o imposto mais injusto, que é o IVA.
Por tudo isto é que a questão decisiva dos recursos do Estado e até do défice, Sr. Primeiro-Ministro, é saber onde são aplicados os bons recursos que temos.
Quero, pois, concluir, suscitando-lhe um dos exemplos da falta de cuidado que o Governo tem tido.
O Sr. Presidente: — Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.