38 | I Série - Número: 015 | 9 de Novembro de 2007
que felicitar este Governo por ter encarado de frente o problema do défice e o ter praticamente resolvido, mas
com grande sacrifício de todos os portugueses, como o próprio Primeiro-Ministro já reconheceu.
Além do défice orçamental, outros défices têm de ser combatidos, a começar pelo défice social. O
desemprego não pára de aumentar (8,3% em Agosto). Somos já o quinto país da União com maior taxa de
desemprego, tendo ultrapassado a Espanha pela primeira vez nos últimos anos. A pressão fiscal muito
elevada está a ter resultados negativos na economia e está a sacrificar os cidadãos com perda de poder de
compra e de qualidade de vida. As dificuldades com o sobreendividamento das famílias são muitas. De que
serve termos um défice de 3% se continuamos a ser o país mais pobre da Europa e o mais desigual a
distribuir a sua riqueza?
Mais de dois milhões de portugueses, cerca de um em cada cinco, tem rendimentos abaixo do limiar de
pobreza. A constatação parece evidente: apesar do desenvolvimento registado nos últimos anos, apesar do
défice finalmente controlado, apesar das ajudas comunitárias que todos os dias entram em Portugal, apesar
dos milhões de euros que mensalmente os bancos obtêm em lucros, nada parece conseguir mudar a
persistência da pobreza. Segundo o INE, 41% da população portuguesa, cerca de 4 milhões de pessoas, vive
numa situação de risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões de reforma, sobrevivência,
doença e incapacidade, família, desemprego e inserção social). Após as transferências, o número cai
sensivelmente para metade. A questão é que estas pessoas apenas resolvem momentaneamente o seu
problema de privação, mas não a pobreza. Existe ainda um fenómeno novo, que as estatísticas de 2005 ainda
não conseguem reflectir, mas que a realidade social evidencia: a emergência de novos pobres, pessoas que
não ganham o suficiente para pagar as suas contas ao fim do mês nem para liquidar os créditos e
responsabilidades financeiras que assumiram (crédito à habitação, crédito ao consumo e outros). Esta
situação resulta, na maioria dos casos, na perda do emprego, mas também na subida das taxas de juro e do
próprio aumento do custo de vida. Este é um diagnóstico cruel da sociedade portuguesa. A pobreza em
Portugal é um facto estrutural que sucessivos governos ao longo dos anos não têm conseguido resolver.
Embora considerando muito importante o reforço de algumas medidas concretas no âmbito das políticas
sociais (por exemplo, o alargamento do complemento social para idosos) estas medidas acabam por ser
medidas de «remendo» de um problema. Há que reforçar as medidas de combate ao desemprego e de apoio
ao crescimento e criação de emprego. A proposta de diminuição de 5% do IRC para as empresas do interior
do País é positiva, mas insuficiente para contrariar o processo de desertificação, agravado por medidas
tomadas recentemente pelo Governo, que eu próprio critiquei, como o fecho de serviços públicos nas áreas da
saúde e da educação.
O emprego constitui hoje o nosso problema número um. Sabe-se que uma alteração do nível de
desemprego só poderá conseguir-se com uma política agressiva de investimento. Neste aspecto o Orçamento
é bastante decepcionante. É certo que não cabe ao Estado criar emprego directamente, antes deve definir
horizontes e estratégias que permitam ao tecido empresarial fazê-lo. O actual Governo, tal como os anteriores,
tem beneficiado largamente o sector privado, concedendo-lhe amplos incentivos financeiros, fiscais e outros.
Apesar disso, os resultados ficam sistematicamente aquém das expectativas. Não temos tido empresários à
altura, ou não os temos em número suficiente. Continuamos a assistir a um permanente coro de lamentações,
com o sector privado a tentar obter do Estado mais benesses públicas. Os exemplos recentes e anunciados da
REN, da GALP e da EDP confirmam amplamente o estado de espírito dos chamados «grandes empresários»
portugueses. Assumir qualquer risco não é com eles. Não temos que nos admirar pois, salvo raras excepções,
tem sido assim desde o tempo da venda dos bens nacionais que se seguiu à vitória dos Liberais em 1834. O
progressivo abandono pelo Estado de todo o sector energético nacional levar-nos-á a uma situação de total
dependência de interesses não portugueses e a uma cada vez mais reduzida capacidade de intervenção em
áreas fulcrais da nossa economia. Esta política não serve o interesse nacional, ainda que possa proporcionar
alguns euros suplementares aos cofres do Estado. Agora que o sector privado domina completamente a
economia portuguesa (ficam de fora os transportes, porque não dão lucro, a Caixa Geral dos Depósitos e
pouco mais), seria essencial que o sector empresarial privado assumisse a principal parcela na criação de
emprego. O actual sistema de incentivos ganharia em ser objecto de uma profunda revisão, que poderia ser
explicitada no Orçamento.
Não concordo com as exigências daqueles que todos os anos reclamam mais cortes na despesa em nome
de uma pretensa reforma da Administração Pública, que passaria pela dispensa maciça de funcionários
públicos e pela degradação das funções sociais do Estado. Considero positivo que, desta vez, e ao contrário
do que vinha acontecendo, o Orçamento para 2008 proponha repor o poder de compra perdido pelos
funcionários públicos nos últimos anos. Mas a proposta de aumento de 2,1% anunciada para a função pública
é inferior à inflação de 2,3% estimada para este ano, o que significa que ainda não será em 2008 que os
funcionários públicos recuperarão o que perderam em sete anos sucessivos.
Considero positivas as medidas anunciadas no sector da saúde, em especial o financiamento da procriação
medicamente assistida. Discordo, contudo, da opção de agravar a carga fiscal de deficientes e pensionistas O
aumento da carga fiscal sobre os reformados não está limitado às pensões mais elevadas, aplica-se às
pensões médias e médias baixas. Os reformados ficam assim duplamente penalizados: por um lado, pelo
aumento directo do imposto sobre a sua reforma; por outro, pela diminuição da comparticipação dos