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26 DE ABRIL DE 2013

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imprescindíveis pela generalidade dos cidadãos, bem como pelos agentes políticos que as deverão

protagonizar quer no Governo quer na oposição.

William Shakespeare pensou como ninguém a política como uma arte feita de regras naturais e quase

imutáveis enquanto a natureza humana for aquilo que é. Conta ele, na peça Henrique V, um episódio

revelador da necessidade de os líderes observarem a realidade, utilizando parâmetros que sejam comuns aos

que estão envolvidos num esforço coletivo.

Na véspera da batalha de Azincourt, em 1415, o mesmo ano em que os infantes portugueses, seus primos

direitos, iniciavam a gesta da expansão com a conquista de Ceuta, e perante possibilidades ínfimas de vitória

pois o exército francês superava em cinco vezes o número de ingleses, o jovem rei vestiu uma longa capa

negra com um capuz que lhe escondia o rosto e passou toda a noite a conversar com os seus soldados, de

fogueira em fogueira. Quis saber o que pensavam os homens acerca da liderança do rei, a sua estratégia e

coragem, a sua sensatez para dar voz de comando. Os soldados não sabiam que falavam do rei perante o

próprio nem este se deu a conhecer. Ouviu críticas, elogios, mas, sobretudo, percecionou os seus anseios e

temores e pôde, desse modo, no dia seguinte, construir um modo idóneo de os motivar para uma vitória que

não mais sairá da História.

Claro que não estamos a sugerir que os agentes políticos e os titulares de órgãos de soberania andem por

aí embuçados a tentar distinguir, caso a caso, as angústias das pessoas — mas parece-nos inegável que, sem

o entendimento razoavelmente alargado daquilo que se faz e por que é que está a ser feito, quase todos os

esforços de reconstrução do País estarão seriamente ameaçados.

Pois é precisamente a batalha da reconstrução do País que temos diante de nós.

Temos de reconstruir a confiança em nós mesmos, como povo e como Nação. Temos de reconquistar a

nossa autonomia financeira e económica para reganharmos a nossa livre e plena determinação. E o grande

apetrecho que o sistema democrático contém para o conseguir é o esforço de consenso. Nenhuma

reedificação do todo nacional é possível sem que se forje um largo consenso entre os agentes políticos e

sociais que não queiram escapulir-se das suas responsabilidades.

O consenso extravasa a simples regra da maioria. O consenso não é impelir os demais a seguirem a nossa

própria visão das coisas.

Numa imagem erradamente atribuída a Benjamin Franklin, a democracia formal é vista como uma votação

em que dois lobos e um cordeiro decidem qual será o seu almoço — a fábula costuma ensinar que a liberdade

consiste em dotar o cordeiro de instrumentos capazes de impedir a decisão óbvia, valorizando o papel da

liberdade como meio de defesa das minorias e dos mais débeis.

Só que resta um problema a solucionar – afinal, qual será o almoço? É precisamente aí que o consenso

encontra o seu papel primordial na ordem democrática. Sobretudo, em épocas de aflição coletiva como aquela

em que estamos.

Se, como dizia Habermas, a democracia normalmente vive do «dissenso razoável», os momentos

históricos de especial agrura coletiva exigem a busca incessante e porfiada de encontrar pontos comuns entre

os vários interesses divergentes.

Temos, hoje, todos nós, um enorme desafio coletivo acerca da crença nas virtudes da democracia, na

viabilidade do desígnio da integração europeia e na imprescindibilidade da cidadania que participa no Estado

de direito e na construção do bem comum.

Mas que ninguém se iluda — a luta pelo bem comum terá sempre de ser resultado de um esforço comum.

É necessário atingir-se aquilo que John Rawls denominou como consenso de sobreposição razoável — ou

seja, obter acordos essenciais a partir dos desígnios comuns de uma comunidade politicamente organizada

em democracia e em liberdade.

Ou, regressando a Habermas, a reconstrução da unidade nas sociedades democraticamente desgastadas,

pluralistas e multiculturais da atualidade, partirá de um processo denominado «unidade comunicativa» que

serve precisamente para criar a unidade na diversidade, possibilitando a convivência das várias diferenças.

Este esforço de consenso terá forçosamente de ser realizado por políticos que pensem a política como um

exercício de perceção global da realidade e lhe apliquem decisões direcionadas para o bem comum – em caso

algum, a visão volitivamente afunilada de um tecnocrata conseguirá cerzir aquilo que foi rompido.