I SÉRIE — NÚMERO 83
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Celebrar Abril é, também, fazer o elogio da política democrática e percebermos que todas as formas
modernas de totalitarismo iniciaram o seu triste caminho com investidas genéricas contra os políticos,
sobretudo contra o poder parlamentar.
Que fique bem claro: os portugueses, quer os de hoje quer os das gerações futuras, não nos perdoarão se,
nesta hora tão amarga, nos obstinarmos no jogo, intelectualmente árido e inconsequente, de passar culpas de
uns para os outros pela desgraça em que todos estamos e sem encontramos soluções viáveis para dela
sairmos.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Minhas
Senhoras e Meus Senhores: Repetimos a pergunta inicial: como fazer jus a este dia que aqui celebramos? De
todos nós, o povo português espera entendimentos, compromissos e soluções sustentadas e sustentáveis que
lhe permita viver a democracia e a liberdade como cidadãos de um País do primeiro mundo.
Temos de quebrar de vez as sangrias cíclicas de emigração em que Portugal subsiste, há mais de 150
anos. Queremos que esta geração mais nova, tão preparada e desesperada, que agora nos deixa regresse
em breve ao seu País. E queremos que a próxima geração fique cá, ajudando a sua Pátria a ser mais livre,
mais justa e mais forte.
Todos nós devemos isso ao 25 de Abril e, sobretudo, a Portugal e aos portugueses. Se formos capazes de
gerar consensos sobre os desideratos essenciais que nos comprometam a todos e que a todos servirão,
teremos ideado uma das mais bonitas melodias de Abril.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro,
Sr.as
e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal
Constitucional e demais Tribunais Superiores, antigos Presidentes da República, Sr. Chefe do Estado-Maior
General das Forças Armadas e demais Representantes Institucionais das Forças Armadas, antigos
Presidentes da Assembleia da República, Sr. Núncio Apostólico, Srs. Embaixadores e Representantes do
Corpo Diplomático, Sr.as
e Srs. Deputados, Excelentíssimas Autoridades, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Um dia na vida dos indivíduos e dos povos pode conter o infinito. Assim foi 25 de Abril, o fim de um tempo
sombrio, a política com a sua pulsão emancipadora a ganhar o ponto de partida. Em explosão de alegria, a
liberdade foi trazida às nossas mãos para que todos nos tornássemos criadores do mundo.
Todos os impulsos libertadores da História concretizam sempre um sonho realista, um sonho de justiça
reclamado pela evidência flagrante da realidade. Porque é a intensidade da realidade que torna os sonhos
possíveis, é ela que nos confere a coragem da superação, da mudança redentora.
A viragem de Abril é o culminar das muitas pretensões da vida, todas cheias de frustração e dor, da
insuportabilidade de um espaço público nulo e do seu consequente deserto de direitos. Não há nada de mais
inumano do que a escolha impossível. Abril veio contra a negação da escolha política, contra a negação da
justiça pública, contra a negação das escolhas individuais também, porque só uma justiça pública lhes pode
dar verdadeiramente as condições.
De reagir contra esta espécie de «estado de não valor», onde, como diz Hermann Broch, cabem todos os
males, Abril ofereceu-nos a democracia. A democracia como única possibilidade de realização da política, a
verdadeira, fazedora da emancipação de todos e de cada um. Com a liberdade nos fazemos senhores de um
poder de construir submetido à crítica. Tornamos possível o impossível. Abril é esta teodiceia das
possibilidades do humano, a um tempo real e ideal, carregada no poder da escolha, esta teodiceia de um
humanismo sem limites, tão bem registada numa das mais belas passagens da literatura, na letra de
Saramago, quando diz que «os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem
asas e fazê-las crescer».
Se há uma espécie de metafísica da celebração do 25 de Abril, ela é, sem dúvida, a celebração mesma do
espaço público como lugar de emancipação, lugar de conjura para uma justiça maior, por todos construída e
para todos.