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I SÉRIE — NÚMERO 103

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Não é também à toa que múltiplos operadores de rádio e de televisão, na Europa, incluindo a RTP,

sublinharam o carácter inaceitável de uma supressão de um elemento da liberdade de imprensa, a título

meramente preventivo e transitório, como se de uma mera reorganização de uma repartição ou de um balcão

de atendimento ao público se tratasse.

Anatemizando todo o serviço público de uma penada, o Governo grego disparou primeiro, fechando o sinal

de um canal televisivo, calando as vozes da informação, da cultura, da diversidade, e perguntou depois,

anunciando intenções de começar do zero, com uma nova empresa pública de televisão e rádio, com outra

dimensão, assente em premissas que ninguém conhece.

E o que nos interessa a nós, perguntarão, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, no Parlamento português,

uma análise do sucedido na Grécia? É que, se queremos integração política à escala europeia, se queremos

partilhar valores, temos de partilhar preocupações e temos de antecipar dificuldades.

Interessa-nos diretamente a necessidade de repudiar uma solução inaceitável em democracia, interessa-

nos dizer com clareza que assim não, que há valores que se sobrepõem, em todos os pontos da União

Europeia, a considerações aparentemente assentes apenas na austeridade e apenas na redução de custos.

O que está em causa, no continente europeu, no berço da democracia, é, sem exagero, um verdadeiro

recuo civilizacional. O que sucedeu em Atenas na passada semana, pelo seu simbolismo de um sinal cortado,

de uma palavra assassinada, de um espaço de liberdade eliminado, de uma penada, pelo lápis burocrático de

um decisor desinspirado, não pode senão merecer uma voz de recusa de todos os democratas em toda a

Europa.

Aplausos do PS.

Não podemos deixar de reagir, não só com a nossa solidariedade, mas fundamentalmente através de uma

reafirmação dos fins do serviço público e das exigências constitucionais que o exigem e que asseguram que a

nossa democracia mantêm a sua qualidade e o seu vigor.

Num quadro em que se repete, vezes sem conta, que não há alternativas à austeridade, que o rumo

europeu em execução é único e que fora dele só pode haver desastre, suprimir um espaço de debate, de

diálogo, de pluralismo e de confronto de ideias é contribuir para fragilizar ainda mais a democracia no seu

momento de maior fragilidade, no momento em que os cidadãos menos nela acreditam e mais dela

dependem.

Precisamente por isto, precisamente porque enfrentamos problemas comuns, precisamente porque somos

pressionados para cortes cegos, precisamente porque também somos impelidos para os mesmos erros, é

importante que reflitamos preventivamente e façamos ouvir as nossas vozes.

Recordemos, então, o que significa o serviço público. Significa rigor, isenção, pluralismo e independência

na informação, num mundo cada vez menos transparente na área da comunicação social e com cada vez

mais fenómenos de concentração de propriedade.

Significa mecanismos adicionais de garantia da independência, através de acompanhamento parlamentar

da execução do serviço público e de respeito pela sua missão.

Significa garantia da livre expressão e confronto de correntes de opinião, a seiva vital de uma democracia

séria.

Significa diversidade e pluralismo na programação, enriquecendo o que as lógicas de mercado nem

sempre permitem florescer, e atendendo às necessidades de todos.

Significa um espaço de realização de direitos civis e políticos, nas suas mais variadas formas de

expressão.

Recordemos ainda também que é através do serviço público que se garante a diversidade cultural, que se

conseguem realizar fins de apoio à produção nacional e de proteção da língua e da cultura, desenvolvendo

programas recreativos, culturais e educativos fundamentais para a realização plena desta missão.

Para quem não esteve atento, ouvir aquele que na semana passada se anunciou como o último concerto

da Orquestra da ERT (rádio e televisão da Grécia) e ver as lágrimas de quem fazia ecoar aqueles que

achavam ser os seus acordes finais tem de funcionar como aviso. A matemática perfeita da harmonia musical,

para já, é uma matemática muito superior à matemática da austeridade estéril e estúpida que mata e que

impede o florescimento do pensamento.